Tarcila

Quando olhei pra Tarcila, ela estava agarrada a um copo de Gim. Sorrindo, com os pés enfiados na água da piscina. O sorriso me convidou a me sentar do lado dela. Mas hesitei a princípio.

Talvez eu tivesse medo do fluxo das coisas. Ou talvez da profundidade...

Não da piscina... mas do sorriso.

Enfim. Ela me disse desde o começo que não era a melhor das influências. Mas ainda assim sempre parei pra ouvir o que tinha a me dizer. Mas mais do que o que ela me falava, eu gostava de quando dispensava as palavras. O silêncio dela sempre falou mais. Sempre impactou mais. Pro mal ou pro bem.

Deixei a hesitação pra lá e me sentei do lado dela. Tarcila esvaziou o copo e deixou de lado, e enlaçou os dedos das mãos ao meus.

- Eu podia ficar uma vida inteira num momento como esse. – Ela falou, balançando os pés na beira d’agua.

- O que esse momento tem demais? -perguntei, quase que automaticamente.

- O silêncio... a distância da realidade... a realidade me entedia.

- Sério?

- Não te entedia também?

- Nunca parei pra pensar nisso.

Ela sorriu mais uma vez e me olhou de um jeito que pude ver faíscas em seus olhos.

- Meu amor. Não sei quem consegue ser feliz com a realidade hoje em dia... a vida real se resume a pagar boletos, ônibus lotados e noites sem dormir. Não sei você, mas eu vivo a semana inteira esperando o sábado à noite. E no domingo de manhã, muitas vezes eu me arrependo das minhas escolhas do sábado. Mas na segunda feira, eu já começo a ansiar pelo próximo fim de semana.... E aí, no fim das contas eu me pergunto... como chegamos a isso? Como chegamos a essa rotina que as pessoas insistem em chamar de vida normal, mas que eu só consigo ver como um tipo precoce de morte.

Parei pra digerir as palavras que ela tinha dito, enquanto esvaziava a minha lata de cerveja.

Tarcila me olhou, como se pudesse ler a minha mente, mas talvez ela só estivesse se divertindo observando minha falta de palavras para o momento.

- É verdade. – Eu disse, finalmente.

- Só é verdade porque nós aceitamos. Qualquer dia desses eu enfio o pé na estrada deixo essa merda toda de lado.

- Não é muito sua cara.

- Você diz isso porque não me conhece o suficiente.

Dessa vez eu realmente não tinha mais o que dizer.

Tarcila soltou a minha mão e com um pequeno impulso se deixou cair dentro d´água.

Ela afundou e depois voltou à superfície e me olhou como se o frio não significasse nada.

Então veio andando e se abraçou às minhas pernas. Nossos olhos se encontraram, e eu pensei que talvez, eu precisasse deixar tudo de lado, como ela havia dito.

- Nada é perfeito, meu amor, pelo menos se você fizer questão de procurar pelos defeitos... Você mal me conhece para saber dos meus...

Eu não estava nem aí para os defeitos dela...

não naquele momento.

Pulei na água e cai bem perto de onde ela estava. Nos abraçamos e eu fiz questão de manter os olhos abertos enquanto aproximava os meus lábios dos lábios dela.

Quando nos beijamos, pensei finalmente na garrafa de gim abandonada na beira da piscina.

nos boletos a pagar

na próxima segunda feira,

Mas também pensei naquele momento,

pensei também que poderia viver aquilo tudo

ainda por muitas vezes,

pelo menos enquanto ainda tivéssemos o que beber

E sábados à noite

para desperdiçar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/08/2021
Código do texto: T7322659
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