SE VOAR ME LEVA
Lá estava eu, sentada diante o mar, completamente dormente e desejando ser levada pelo mesmo. Os dias estavam difíceis e já não queria mais lutar, não tinha forças nem o brilho no olhar, que era rotineiro antes de tudo desabar. Havia alguma coisa nas ondas que quebravam na superfície macia feita de areia, que me chamavam, como o canto da sereia, em um mantra atraente de vai e vem sendo carregado pela correnteza forte e que tocava todo o meu corpo e bagunçava meu cabelo sem cerimônia de chegada.
O céu já não era claro como antes. A praia estava inabitada, somente as gaivotas que passavam dando leves gritinhos, afirmando que estavam de partida. Levantei com o incentivo de uma quase penumbra e segui em direção a rocha mais alta, pelo caminho estreito formado pelo tempo, com pedaços de galhos que foram arrastados pelo vento.
A única visão era das ondas quebrando com fúria, na parede de pedra que tinha ali. Deixei os meus braços, totalmente exaustos, caírem na lateral do meu corpo, dei pequenos passos em direção à beirada, me equilibrando na borda escorregadia do precipício. Algumas pedrinhas caiam na água conforme ia me aproximando, o tamanho certo para fazer barulho de mergulho quando caiam na água, me perguntei se ao me jogar dali, faria o mesmo som e se seria boa a sensação de cair, se eu morreria de imediato ou ainda ficaria boiando ou sendo carregada, jogada. Se eu iria aproveitar todas as sensações de minha morte ou, continuaria sem sentir nada.
- Droga!
Acordei do transe ao escutar uma voz fina atrás de mim. Virei-me, assustada, tirando a mecha de cabelo que insistia em ficar no meu rosto e tentando enxergar quem quer que fosse, no escuro daquele ambiente, que interrompera o meu ritual de passagem.
- Parece que não foi só eu a ter a bendita ideia de vir aqui essa noite.
A moça de vestido florido falou, enquanto eu recuperava a consciência de ainda estar viva. Caminhei um pouco para longe da borda de onde eu estava a fitar o balançar do mar. Me colocando em uma posição segura.
- O que faz aqui a essa hora?
Perguntou para mim. Insistindo em manter uma conversa enquanto dava voltas pelo local. Ela parecia se divertir, enquanto levantava os braços fingindo ser um avião, pulando nas protuberâncias do solo, sem parecer realmente se importar com algo.
- Queria ficar sozinha.
Falei para a menina desajeitada a minha frente. Encarei a lua brilhante, notando que a indesejada companhia seguia os meus movimentos, sem se importar em ser discreta.
- Você me parece... demasiadamente triste.
Antes da curiosidade permanecer e ela continuar a fazer perguntas. Perguntas que eu não queria responder. Balbuciei a primeira coisa que me veio à mente na tentativa de tirar a atenção da mesma sobre mim.
- Queria tomar um pouco de ar.
Sorriu me encarando fixamente. Fitei as covinhas no seu rosto e, com o tentar se equilibrar em qualquer que fosse aquilo que ela estava em cima.
- Eu preciso tanto, pular...
Falei. Mais para minha consciência que para a pessoa curiosa ao meu lado. Meu rosto, já molhado das lágrimas que escorreram sem eu perceber, estavam conectadas com o clima, que mudou de repente.
Não demonstrou nenhuma reação de espanto. Olhou para mim, calmamente. De um jeito bem sereno, leu tudo o que eu tinha em mente e me surpreendeu.
- Se voar, me leva?
Naquela noite em especifico, não voamos. Ficamos até o amanhecer de um novo dia, conversando, lamentando, sorrindo. Parecia um espelho refletindo o que existia dentro de mim e, não era assustador.
- Ela me salvou.
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