Nós temos sonhos?
Num belo e prazeroso sonho, acordar é o que não se quer. Já experimentamos sonhos, mais à noite do que de dia, que se pareceram mais longos do que eles são, na realidade. Estranha perfeição, não sei se extensiva aos bichos. Histórias, com enredo comprido, em tão pequeno espaço de tempo! Questiona-se tal perfeição, quando, às vezes, misturam-se coisas, fatos e pessoas, em circunstâncias sonhadas, que nada têm a ver uma com a outra. Já acordados, perguntamo-nos: Por que ele ou ela, ali, nesse sonho, naquele lugar, em silêncio, nada fazendo, apenas nos espiando? Enigmas. Curioso é que, durante o sonho, colorido, sonhável como um curta, não podemos pôr tais questões. Fica isso à percepção de quem acordou.
Sonhar sozinho é mais fácil, aliás, o impossível é sonhar em grupo ou pessoas, numa mesma cama, sonharem a mesma coisa; quem sabe haveria briga de pessoas dormindo... Também ninguém pode espiar o sonho do outro, sobretudo quando se sonharem velados e pessoais segredos. Ocorrem surpreendentes coincidências, quando os sentimentos se assemelham, entre pessoas amadas ou odiadas. No entanto, acordados e conscientes, sonhar, enquanto aspiração ou desejo coletivo, pode acontecer como o de Martin Luther King: I have a dream (Eu tenho um sonho), do qual quase todos nós comungamos: o fim das discriminações e o respeito aos direitos humanos, à religião, raça, etnia, cidadania e ideologia de cada um. Desse modo, podemos sonhar quase coletivamente. Porém, mesmo dormindo, quem vive egoisticamente para si não sonha para o bem dos outros, entrega-se ao devaneio intenso da vontade de enriquecer, imaginando-se numa piscina ou num lago de pepitas ou de barras de ouro.
Sonhar é também desejar o que está acima da realidade, às vezes, coisas impossíveis. Sonhar sempre é possível. Na maioria das vezes, sonha-se querendo coisas dificílimas. Isso, se acordado, entra-se na esfera do idealismo; ou sonhamos, com o sublime da evolução: uma cidade, onde se quer o bem dos outros, haja evolução, quem sabe a quase utopia de uma sociedade, em que todos sejam igualmente felizes, bem melhor do que a da República de Platão. Tais sonhos, mesmo chamados de utopias, criam o paradoxo de que precisamos sonhar, além da realidade, dos seus limites, atingindo até o poético absurdo.
Quem nunca sonhou? Acha-se quem sonhe pouco. Desde a antiguidade, sonhavam. E partir de então, oniromantes, filósofos, psicólogos e certos estudiosos psicanalistas se dedicaram, com esmero e fascínio, ao mundo dos sonhos. Fizeram-se teóricos desse fenômeno de respiro misterioso. Daí, suas interpretações assumirem natureza simbólica, que, em tantas diferentes épocas e culturas, relativizaram o simbolismo, casando o símbolo com alguma realidade da vida, daquela cultura, daquele que sonha com o que sonha. Os números se destacam em decifrar os seus significados. Essa correlação está na cultura popular do jogo do bicho: o apostador transforma o bicho sonhado em número; quem sonha borboleta joga o milhar e suas puxadas: cachorro, cabra, gato, elefante ou leão, procurando a sorte, fazendo sua “fezinha”. Guardei, desde a infância, que José do Egito decifrou o sonho ao faraó: as sete vacas gordas significam época de fartura; as sete magras, de escassez e míngua. Dizem que, no sonho, a Lua também previne a mulher grávida sobre o enxoval do nascituro.
Sonhar é bom, acima de tudo, suaviza a monotonia do sono, desde que não trate de algum pesadelo espantoso, assombroso, acordando a gente. Prefere-se acordar com feliz alegria, a com medo ou tristeza. Os acordados se capacitam a escolher o sonho. Então, sonhemos juntos uma nação democrática, um país, transformado pela Educação, sem armas e violência, engrandecido pelo Bem Comum e pela liberdade do seu povo.