Trânsito

No trânsito, ainda no alvorecer do dia, tive o prazer de, como rotineiramente, me locomover de bike, e o desprazer de, como eventualmente, ouvir algumas descortesias emanadas de um motorista que, no rompante de seu prematuro stress, presumível, visto que o sol havia raiado e apenas enunciado o preâmbulo do dia, vocalizou que (com meu filtro, para eliminar os sonoros palavrões) eu deveria ir pela direita da pista de rolamento. Mas o contexto apresentava o lado esquerdo como o mais seguro para o ciclista, ainda mais por não haver ciclovia e nem largura suficiente na avenida.

O ocorrido renderia uma tipica crônica, embora esta escrita se proponha ao singelo desabafo deste cidadão-ciclista, que busca fazer a coisa certa no trânsito errado. O alento é o fato de existir, pela própria percepção, uma maioria de bons, gentis e conscientes motoristas. Mas como água turva, a diluição de determinados detritos impede que ela resplandeça cristalina na sua inteireza...

Por certo o aludido motorista de veículo automotor (não elétrico; portanto, poluente) desconhece o artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ou a autoescola que o instruiu não teve muito êxito, ou, até mesmo, há de se conjecturar que, por haver casos noticiados na imprensa de carteiras de motorista compradas aqui no município, esse motorista seja um "cliente"... Dadas as peculiaridades que se apresentam nos trajetos de um fluxo de trânsito, deve prevalecer o bom senso e, como parâmetro basilar, a ideia de que o veículo maior protege o menor. Mas distopias insistem em se perpetuar.

Na ocasião da pouco civilizada abordagem, relevei e silenciei, até porque o semáforo logo já se mostraria verde e o parco tempo não permitia uma argumentação elucidativa, apesar de que nunca se sabe se convém argumentar com alguém assim, mesmo que houvesse todo tempo do mundo... Muitos desatinos de motoristas destemperados já causaram fatalidades em abordagens que se estenderam.

Decorrido o episódio, ponderei: "Faço eu a coisa certa no trânsito errado, ou faço a coisa certa no trânsito certo?". Pois foi na transformação aprimorada, dia após dia, em "trabalhos de formiguinhas", que se fizeram grandes nações e civilizações. O trânsito de Amsterdam, na Holanda, outrora já foi caótico e altamente letal, nos idos de 1960. Hoje, é paradigma exemplar, rendendo à capital holandesa a alcunha de "cidade das bicicletas". Copenhagen, na Dinamarca, é outro modelo, muito virtuoso por sinal, de trânsito civilizado e amigável aos ciclistas, espelho da própria sociedade, mosaico de cidadãos que tornaram a Dinamarca um referencial muito além da mobilidade urbana.

A metamorfose de uma nação sempre demanda muito tempo, as engrenagens da história tornam isso evidente. É essencial que se esteja no rumo certo, com constância e perseverança, em esforço coletivo, gerando sinergia e legado, pois uma geração não vislumbra uma longa participação na linha do tempo (hipoteticamente, não adentrando na seara astronômica da curvatura do espaço-tempo). Portanto, a predominância dos resultados e de seus ecos, por maior que seja a longevidade biológica do indivíduo, caberá às gerações futuras.

Augusto Matos
Enviado por Augusto Matos em 11/08/2021
Código do texto: T7318471
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