MÚSICA UNICAMENTE PARA A GLÓRIA DE DEUS E "UMA PITADA DE CRISTIANISMO DENTRO DO SUPREMO": A TEOPOLÍTICA QUE DEBOCHA DO ESTADO LAICO E ESCANCARA OS INTERESSES POR TRÁS DO [FALSO] MORALISMO RELIGIOSO
NÃO se trata de equívoco, ingenuidade ou ignorância, mas de um projeto. Aliás, já fiz essa afirmação (noutros textos, desde 2018) diversas vezes.
SIM. A construção do mito do "Líder político honesto, cristão temente a Deus e defensor da Família, da Pátria e dos valores da Religião", encarnado na pessoa do Presidenta da República, nem há quilômetros de distância se confunde com um fenômeno natural e/ou espontâneo da dinâmica das massas sociais.
MUITO pelo contrário. Trata-se de um dos mais ambiciosos, bem elaborados e eficazes, embora sorrateiro e oportunista, plano de poder político posto em prática no Brasil. Aliás, não deixa de causar certo espanto a parcialidade [e, principalmente, o silêncio] das demais autoridades e instituições do Estado Democrático (incluindo a Imprensa) com as reiteradas, públicas e contundentes investidas do Presidente da República e de seu Governo no sentido de impor através do Estado a cosmovisão e os interesses (com destaque para os materiais) do grupo que, consciente e incondicionalmente, o apoia: os autointitulados evangélicos que, desde sempre, assim como o seu Mito, debocham do Estado laico e, em alto bom som, arrogantemente "determinam": "somos maioria; eles terão que nos respeitar" - considerando que "respeitar" nesse caso, significa rezar a cartilha de suas convicções e visão de mundo.
E AS RELIGIÕES minoritárias, os inconfessos, céticos, agnósticos, ateus...como ficam no contexto de uma religião majoritária com a chancela explícita não apenas do Governo (aqui definido como Poder Executivo), mas do Estado, incluindo, obviamente, o Poder Judiciário?
BEM, isso o presidente, ainda quando pré-candidato, já respondeu: "As minorias se adequem [à maioria] ou simplesmente desapareçam" - mais objetivo e claro nem impressão em 3d.
"DEUS acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude", desdenhou (em 2017) das minorias e desafiou o Estado Laico [o então pré-candidato] diante de uma plateia ensandecida de "devotos" que o ovacionavam aos brados de "Mito! Mito! Mito!"
O PRESIDENTE é tosco, vulgar, mesquinho, arrogante e debochado - bem ao estilo dos que o idolatram, ou [mais possivelmente] fingem porque sabem que sem ele dificilmente concretizariam seu projeto de corrosão da Democracia para implantação de uma teocracia híbrida, um sistema de sociedade que usará a religião (fenômeno sagrado) para alcançar objetivos seculares (poder político, militar e econômico) -, mas sabe muito bem o que cativa sua base [tão ambiciosa por poder secular e tão demagoga quanto ou mais que o próprio], e exatamente por isso não hesita tornar público os termos de seus conchavos.
"(...) EU JÁ FALEI com ele [André Mendonça] que só faço um pedido: que uma vez por semana ele comece a sessão [no STF] com uma oração. Isso já está fechado", disse o Presidente à Imprensa após anunciar a indicação (para o Supremo Tribunal Federal) de André Mendonça, atual advogado geral da União e ex-ministro da Justiça do atual Governo, o mesmo que encomendou dossiês contra servidores críticos do Presidente e, em defesa da abertura de igrejas durante a Pandemia (no STF), fundamentou seus argumentos na Bíblia em detrimento da Constituição.
EM OUTRA entrevista, o Presidente destacou: "Como seria bom se uma vez por semana, nessas sessões que são abertas no Supremo Tribunal Federal, começasse com uma oração do André. Então, uma pitada de religiosidade, de cristianismo dentro do Supremo é bem-vinda".
ENQUANTO o Presidente faz questão de publicizar o cumprimento dos acordos particulares com seus irrenunciáveis apoiadores, a Secretaria Nacional de Cultura veta recurso público a artistas que já criticaram o Mito justificando que “o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”.
COMO se não bastasse tal acinte, num rompante que mistura parvoíce e demagogia, o Secretário (Mário Frias) afirmou que “Enquanto eu for Secretário da Cultura, ela será resgatada desse sequestro político/ideológico”. Se não se tratasse do Governo o qual todos sabemos, mereceria alguma discussão - melhor, porém, reservar tal energia pra o que, de fato, vale a pena!
O PARECER da Secretaria de Frias, as justificativas da indicação de Mendonça, entre outras ações não deixam dúvida: o atual governo é um escárnio ao Estado laico e de Direito, um insulto à pluralidade de pensamento e de crença, uma ameaça explícita à inviolabilidade da consciência e o escancaramento do projeto de poder político e econômico das elites religiosas sob o dissimulado manto da [falsa] moralidade e da defesa dos tão [demagogicamente] alardeados valores cristãos.
QUALQUER semelhança com a cúpula religiosa do tempo de Jesus não é mera coincidência… infelizmente!