A morte do Gaspar
O mês é julho, mas a angústia não tira férias. Recebi a notícia de que o cachorro que viveu com minha família por quase 14 anos, a idade de minha irmã mais nova, faleceu após ficar agonizando por um dia inteiro. Morreu de madrugada, chorando de dor, sem conseguir levantar nem pra tomar água.
O que me abalou não foi a notícia. Nem minha irmã que me mandou mensagem. Eu não choro porque a morte foi cruel com o Gaspar, nem porque minha irmã ficou abalada ao encarar pela primeira vez a morte de alguém próximo. Eu choro porque encaro minha própria morte. Soluço porque sei que logo, será a minha vez e só sofre quem fica.
Enquanto chorava, o meu relógio de pulso dizia-me coisas... "tic-tac...o tempo passa... tic-tac...tudo é tão efêmero... tic-tac... Não podes ficar chorando pra sempre..." O que gosto do relógio de pulso é que ele sinaliza o tempo que está passando ao invés de somente me dizer que estou atrasada. Imagino que o Gaspar nunca teve preocupação com o futuro, nunca parou pra pensar que poderia morrer em breve. Não era da natureza dele sofrer por isso. Esse tipo de angústia é algo que somente nós, que nos dizemos humanos, sofremos. E imagino que seu sofrimento durou pouco, comparado a nós, que sofremos diariamente com o peso de uma morte que nem se anunciou ainda. Só lateja de vez em quando para dizer " Eu virei, aproveita o tempo que te resta. Cada dia a mais é também um dia a menos. Nada escapa. Tudo que é vivo morre."