MEU GENRO
Tenho um amigo, mais novo do que eu, beirando os cinquenta anos. Sujeito de tradição, arraigado a conceito arcaicos, mas que, com esforço, tenta se modernizar.
Me contou uma divertida história que relato a seguir:
"Tenho uma filha adolescente. E, como todo o bom pai, aguardo ansiosamente que, em breve, ela me apresente um namorado. Entretanto, sempre receei que a modernidade pudesse me pregar uma peça. Já pensou se ela me apresenta uma namorada, em vez de namorado. Tá na moda, é moderno. O meu medo foi se ampliando a tal ponto que eu estava me tornando histérico. Não falava disso para ninguém, mas sentia o drama. Fiquei apossado pela homofobia. Constantemente, jurava para mim mesmo:
– Devo rever meus conceitos, pois aconteça o que acontecer, jamais abandonarei minha filha.
Contudo, detentor de uma mente tacanha, seria impossível de aceitar uma situação dessa. E, assim, vivia cercado pela angústia. Temia encarar a realidade.
Finalmente o dia chegou, embora em uma condição não tão trágica como imaginava. Na antevéspera de um final de semana, minha mulher me chamou para um canto e me confidenciou:
– Tenho uma notícia um tanto desagradável para te informar. Espero que você aceite com ponderação. Enfim, trata-se da nossa filha.
Nervoso, perguntei:
– Diga, então.
– Domingo, ela vai trazer o namorado para almoçar aqui em casa.
Apavorado, gritei:
– Namorado ou namorada?
– Namorado, claro né – disse minha esposa com naturalidade.
Vibrei. Exultando de alegria, indaguei?
– E qual é o problema?
– São vários os problemas. Primeiro, ele é de uma família simples e não tradicional como nós sempre sonhamos.
Aliviado com o pior que poderia ter acontecido, rebati:
– Deixa de ser boba... Isso não tem importância. Família tradicional é coisa dos nossos avós.
Mas ela me alertou:
– Ele está desempregado.
Rebati de novo:
– Não esquenta, mulher, eu arrumo um emprego para ele na minha empresa.
– Mas ele não gosta de trabalhar.
– Não liga, aos poucos se acostuma.
Ela teimava em apontar defeitos, todos contestados por mim:
– Marido do céu, ele é muito feio.
– Que feio, que nada. Homem não precisa ser bonito, homem tem que ter dinheiro.
– Ele é pobre, um chinelão.
– Ora, eu quando comecei também não tinha nada.
– Dizem que ele deve para a cidade inteira.
– Sou especialista em renegociar dívidas. Avalizo ele nos parcelamentos, afinal sogro é para essas coisas.
– Mas ele bebe.
– Quem não bebe. Você não reclama que eu bebo uísque todas as noites.
– Mas ele é agressivo.
– Sinceramente, mulher, as vezes eu tenho que me controlar para não ser agressivo contigo.
– Mas ele fuma.
– Eu fumei até os quarenta anos, lembra?
– Fiquei sabendo que ele traz muamba do Paraguai.
– E quantas viagens nós fizemos para o Paraguai? Não foi só turismo, né.
– Mas ele cheira droga.
– Quem nessa idade não cheirou? Com o tempo, isso passa.
Com quase trinta anos de casados, minha mulher parecia não me conhecer. Por fim, perguntou:
– Confirmo o almoço de domingo?
– Confirma sim. Diga para ele que a chave do carro eu deixo no preguinho ali na porta da sala e a chave da adega está no balcão. Se ele, depois do almoço, quiser tirar um cochilo, pode usar nossa cama, pegar meu pijama e calçar meus chinelos. Querida, nesse domingo, estarei tão feliz que abdicarei da minha sesta.
A mulher me olhou como se estivesse casada com estranho."