VELHO TEM DE MORRER: A coisificação da pessoa humana
Evidente que o título desta crônica é para chamar a atenção para uma verdade cruel, diria até desumana, presente no nosso Brasil. A falta de respeito, a discriminação, preconceito e toda espécie de atentados físicos e psicológicos contra a pessoa idosa. É como se envelhecer no País fosse um crime, uma doença. O quadro atual é o da coisificação da pessoa idosa.
Os dicionários conceituam coisa como qualquer ser inanimado. Não é abstrato. Existe, é concreto, não sangra, não ri, não chora, não sente raiva nem dor. A natureza da coisa é de ser mudada de lugar a lugar pelo bel-prazer do dono. E quando a coisa não serve mais é descartada. Vira lixo aos olhos de quem pertenceu.
Vira e mexe o ser humano é coisificado no Brasil. Logo após a abolição da escravatura, conforme o mestre Darci Ribeiro, para “fugir das despesas” alguns senhores de engenho descartaram, como coisas, os idosos e crianças, pretas, para morrerem de fome, sede e frio. Crianças chegaram a virar comida de cães nas porteiras das fazendas.
Hoje uma situação como essa, ocorrida no final dos anos 1888, seria prontamente rejeitada pela sociedade e denunciada pelos tribunais internacionais, mesmo assim, o processo de coisificação da pessoa humana é claramente perceptível no País. Falamos aqui da pessoa idosa, mas tem muitos outros gêneros humanos sendo transformados em coisas no Brasil.
A contradição, quando a gente se refere à pessoa idosa, é que o tratamento desumanizado tem aumentado à medida que o País envelhece. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019 o Brasil chegou a 32, 9 milhões numa tendência de envelhecimento.
Conforme o instituto o número de pessoas com mais de 60 anos no país já é superior ao de crianças com até nove anos de idade. A estimativa é de que em 2060 o país tenha mais idosos do que jovens.
O Brasil até que conta com um certo instrumental de proteção à pessoa idosa no qual se inclui a Lei 10.741/2003, o conhecido Estatuto do Idoso concebido para regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, contudo, como dizem os portugueses, tudo “termina em águas de bacalhau”, em águas profundas, ou seja não é capaz de inibir os maus tratos e outros atentados contra a pessoa idosa que só tem se multiplicado no país.
Não é “chover no molhado” dizer, portanto, que há a necessidade do fortalecimento, em todas as esferas, da rede de proteção à pessoa idosa para que se coíba, entre tantos atentados, as violências e os múltiplos casos de abandono que juntos ferem de morte um dos princípios basilares da nossa Constituição: o da dignidade da pessoa humana.
Para encerrar, diria que essa situação de “coisificação da pessoa idosa” precisa ser estancada. O idoso não pode ser visto como alguém sentado numa montanha de lembranças, e sim como sujeito permanente do processo, com passado de boas, ou más memórias, mas construtor do presente e do futuro.