As meias sem pé



Ao ler a crónica do António intitulada “Buraco na peúga”, veio-me à ideia os meus tempos de escola, em que três dos quatro filhos de minha mãe e de meu pai frequentavam anos de escolaridade muito próximos. ´
Nesses tempos, de que me orgulho bastante, a ginástica era levada a sério, e obrigava ao traje a rigor, onde nem sequer faltava o emblema da mocidade portuguesa. Os nossos professores eram extremamente exigentes com o equipamento e como tal passavam vistoria às hostes com um olhar de RX. Na camisola branca, não podia faltar o dito emblema; os “culottes” brancos por baixo da saia calça de sarja; sapatilhas brancas, todas iguais e meias igualmente brancas; umas de um branco mais imaculado que outras, mas ninguém estava dispensado de as usar. E aqui começa o problema: a minha doméstica mãe, com toda a sua escassez de dinheiro, apesar da sua boa vontade, tinha muitas dificuldades em conseguir especialmente no Inverno, ter meias enxutas e em boas condições para atender às solicitações da disciplina. Cada um de nós tinha duas aulas semanais de ginástica, ora atendendo que eram três os consumidores de meia branca, a tarefa tornava-se complicada. Como tal, sempre que se rompiam meias, a Dª Ângela dava voltas à cabeça e à bolsa para as substituir, o que nem sempre era fácil, tendo em conta que tinha os quatro rebentos a estudar.
Um belo dia, por sugestão do meu irmão mais velho, foi decidido não deitar fora as meias rotas, mas sim criar um stock de meias, às quais se cortava a ponta, até mais ou menos meio do pé, por forma a enfiar-se a sapatilha e parecer que tudo estava “nos conforme”. Deste modo se resolveu o problema das faltas de material em casa e na escola. Na altura, pensamos seriamente em montar uma fábrica de polainas, mas o mentor da ideia, teve outra ainda mais luminosa e foi para electricista.


 
Lucibei
Enviado por Lucibei em 10/11/2007
Reeditado em 18/04/2017
Código do texto: T730890
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