Baseado em fatos reais.

No último sábado, deparei-me com um amigo de trabalho muito por acaso no instante em que cheguei à porta da peixaria onde fui comprar um peixe para o almoço. Levando suas compras em sacolas de plástico ele seguia pedestremente pela calçada quando, por pouco, quase tropeçamos um no outro. Já faz algum tempo que a gente não se encontrava e, quando eu o vi, a primeira lembrança que me ocorreu, foi de ouvi-lo dizer, certa vez, que queria passar a loja de uniformes que possui dentro do batalhão da PM no centro da cidade. Estou querendo um trabalho para complementar a renda e por isso a minha reação foi imediata, saber, do próprio, se continuava com a tal loja e se mantinha o interesse de passar o ponto. Ele respondeu que sim, e se eu estivesse interessado, faria tudo em meu favor. Toma nota do meu número e liga pra mim quando tiver uma oportunidade, ele disse. Como havíamos deixado o celular em casa, tanto ele quanto eu, apanhei um papel na minha carteira e parti em dois pedaços, peguei emprestada a caneta do comerciante na loja, escrevi seu número numa metade e guardei de volta na carteira, em seguida anotei o número do meu aparelho no pedaço que restou, entreguei em suas mãos e avisei, se houver qualquer eventualidade no que se referir a loja, liga pra mim, estou mesmo interessado.

No dia seguinte, domingo, fui à feira no bairro vizinho comprar frutas. Feitas as compras parei num bar para beber uma cerveja. Só entrei porque havia poucas pessoas no local e não estavam aglomeradas, também porque as mesas estavam ao ar livre. Com a pandemia o momento pede precaução. Acomodei-me numa mesa alta, a mais afastada de todos. Apoiadas a garrafa e o copo, coloquei a bolsa com as compras sobre a cadeira alta que compõe o conjunto - mesa e cadeira - e, em pé diante do móvel, fiquei apreciando a movimentação do tráfego na rua e o vaivém de gente nas calçadas enquanto, parcimoniosamente, bebericava o aperitivo. O ir e vir frenético de pessoas e veículos associado a música no estabelecimento fazia a imaginação voar para longe, quase uma terapia contra o isolamento social que nos assola há mais de um ano. A certa altura, passei a mão no bolso da bermuda onde guardei a carteira com dinheiro e logo senti o fecho aberto, lembrei-me das vezes que a carteira caiu daquele bolso ao me abancar e imediatamente fechei o zíper. Não fiquei no bar por muito tempo, apenas o suficiente para beber uma segunda Heineken long neck antes de ir embora pra almoçar.

Na virada da noite de segunda para terça-feira, já de manhã cedo, após várias horas de sono, sonhei o derradeiro dos sonhos e este não foi menos misterioso se comparado a qualquer outro. Foi assim: eu cheguei num bar onde havia muitos homens estranhos e carrancudos, a maioria cabeludos e barbudos, alguns tatuados e falantes, todos em pé reunidos diante do balcão bebendo cerveja; no meio do tumulto encontrei um grupo de amigos, juntei-me à eles e ficamos em pé rodeados em volta de duas cadeiras com assentos bem altos e uma mesa igualmente alta onde apoiávamos a cerveja e os copos; sentado numa das cadeiras eu conversava descontraidamente quando passei a mão pelo bolso traseiro da bermuda e dei falta da minha carteira. Desapontado, pensei com meus botões, alguém se aproveitou da aglomeração para me furtar. Poxa, que sacanagem! Eu já previa que uma hora isso ia acontecer. E agora! Nem o número do telefone do meu amigo eu salvei. O dinheiro não me importa, sei que havia uma mixaria. Ah, meus cartões de banco! Ih, rapaz, minha habilitação e o documento do carro! Poxa, isso vai me dar trabalho tirar uma segunda via. Que falta de sorte, por que foi que eu não fechei o danado desse zíper! Como pude esquecer-me dessa vez! Chateado, afastei-me do grupo e saí de um lado do bar para o outro completamente oposto, cumprimentei alguns outros amigos que encontrei no caminho, falei qualquer coisa e segui para o banheiro, do mictório avistei no chão minha carteira jogada no canto da parede. Apanhei-a do solo com asco, estava molhada, possivelmente de urina; conferi que ela estava mesmo vazia, nenhum cartão de banco, zero cédulas de dinheiro, sem minha habilitação nem o DUT, enfim, completamente vazia. Quando acordei do sonho, ainda antes de abrir os olhos já tinha a fiel sensação de que a minha perda havia sido real e lamentava não ter cadastrado no meu celular o número de telefone do meu amigo, pois não sei onde ele mora e não quero perder a chance de negociar com ele a sua loja. Levantei da cama com aquela sensação de vazio que nos invade o peito quando perdemos algo de valor. Durante a manhã, por diversas vezes sofri com esta sensação de perda causada pelo sonho. Como isso é possível? Alguma patologia, será que é isso?

Incomodado decidi esclarecer tamanha desconfiança e sorrateiramente saí no encalço do meu nobre amigo psicanalista Sigmund Freud, e sabe como foi que ele elucidou a minha suspeição? dessa maneira, leia: "Meu caro, as pessoas quando estão sonhando se assemelham muito aos doentes mentais e nem por isso são menos sadias, relaxa!"

Valeu, meu parceiro, acatei como um conselho.

Dilucas
Enviado por Dilucas em 27/07/2021
Reeditado em 01/10/2023
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