LINGUAGEM DO AMOR

Ela veio caminhando devagar ao meu encontro. De quase dez anos atrás só restou o brilho dos seus olhos negros, fortes e determinados como sua alma que, em meio a soluços prometeu-me um dia voltar. Disse-me calmamente, quase sussurrando: "- Mãe, sou livre, tenho alma poeta, quero apenas ser."

Nela refletia minha imagem. Os mesmos sonhos, um desejo incontrolável pela vida, e as descobertas que ela nos concede. Mas eu, que demorei cinqüenta anos descobrindo, surpreendi-me com minha filha querendo ser. Mas ser o quê? Nem mesmo ela sabia, mas ainda assim foi... e levou consigo uma vontade minha de buscar algo que no final me encontrasse.

"Senti saudades", tive vontade de dizer. Mas naquele momento, unicamente nosso, só fiquei a contemplá-la. O que leva uma pessoa a deixar tudo e ir em busca daquilo que não se sabe? O que me fazia tão diferente dela? Se foi dentro de mim que tudo começou... Em alguns momentos de solidão, culpei a vida por permitir que os filhos crescessem tão rápido e tivessem vontade própria e opiniões tão cedo. Você escapou-me por entre os dedos.

No lugar dela um vazio e uma espera. Não se pode julgar alguém que quer descobrir a sua missão, a razão da sua existência, embora não estejamos prevenidos da dor que isso poderá causar.

Em meu coração de mãe, nunca deixei de acreditar que você voltaria. Não para mim, mas para você mesma. Permiti que seguisses para viver a sua história e assim também viver a minha. Conquistamos as lições da vida e não tivemos medo de sofrer, porque ninguém sofre quando está obstinado a vencer. Não lembro mais de quando partiste, só enxergo agora o brilho dos seus olhos diante dos meus. Ao longo dessa espera aprendi que somente quem ama poderá compreender quando o outro precisa seguir ou partir.

Lembro-me quando você dizia "todos os dias parecem-me iguais", e então eu já ansiava nossa separação, nosso elo se quebraria, o cordão umbilical seria cortado, dessa vez para sempre. Os pais sempre acham que estão perdendo seus filhos. E eu também pensei que da minha menina, não restariam nem mesmo as lembranças...

Enganei-me.

Ali estavam aqueles mesmos olhos, que poderosamente conquistavam tudo o que queriam. Por eles via seu coração, sereno, em paz, havia se descoberto enfim.

Eu sabia, eu sentia.

Não houve palavras, porque aprendemos através do desconhecido, dos imprevistos e surpresas da vida, a decifrar a Linguagem do Amor.

Prêmio desquate Academia Cachoeirense de Letras - 2002

Cláudia Sabadini
Enviado por Cláudia Sabadini em 18/11/2005
Código do texto: T73081