FAZER SEXO PARA SE HUMANIZAR ("Pois que o amor e a afeição com facilidade cegam os olhos do entendimento." — Dom Quixote)
Ah, a maçã! Fruto proibido que, com sua polpa vermelha, carrega milênios de interpretações, debates e questionamentos. Símbolo de discórdia, ela, mordida após mordida, levou nossos ancestrais míticos à expulsão do paraíso. Mas será que ela é realmente apenas uma fruta?
Se o pecado original foi um ato sexual entre Eva e a serpente, como sugerem algumas interpretações, por que então os profissionais do sexo não se tornaram repositórios ambulantes de sabedoria? A frequência da prática seria, então, diretamente proporcional ao conhecimento adquirido? Se assim fosse, muitos de nós precisaríamos urgentemente revisar nossa rotina!
A própria maldição divina nos dá pistas intrigantes: por que ela atingiu os órgãos reprodutores e não o aparelho digestivo? Se o pecado fosse meramente alimentar, não deveria o castigo recair sobre o estômago? E por que, ao se darem conta da nudez, nossos ancestrais cobriram as genitálias e não a boca? Teriam eles mais receio do sexo do que das palavras?
Na verdade, cada personagem dessa história primordial parece movido pelo desejo de emular o divino. Eva engravida para sentir-se criadora de vida, Adão aceita a suposta traição para exercer o papel de perdoador magnânimo. Caim elimina Abel numa tentativa torpe de imitar o poder divino de destruição, enquanto o próprio Abel, em sua morte, espelha o cordeiro sacrificial. Até a serpente, em sua sedução, ambiciona o papel de conquistadora de almas.
O mandamento "crescei e multiplicai" parece ter sofrido interpretações contraditórias ao longo dos séculos. A Igreja, em sua complexa relação com a sexualidade, classificou o adultério como pecado mortal, enquanto instituía o celibato clerical. Mas não seria a própria abstinência uma forma de perversão contra a natureza?
Como bem observou Eliane Subtil Marcal, a privação sexual prolongada traz consequências tanto físicas quanto psicológicas. Nas mulheres, compromete a elasticidade e a lubrificação natural; nos homens, afeta a potência e a produção seminal. Porém, o maior impacto talvez seja emocional: a falta de intimidade e companheirismo pode desencadear quadros de baixa autoestima, humor deprimido e até vulnerabilidade a doenças.
Diante de tantas camadas de significado, talvez seja hora de repensar nossa relação com esses símbolos ancestrais. A maçã, o sexo e a sabedoria formam uma tríade inseparável que nos convida a questionar valores e crenças cristalizados. Como diria Sócrates, reconhecer nossa própria ignorância é o primeiro passo para o verdadeiro conhecimento.
Que possamos, enfim, libertar-nos dos grilhões do tabu e do preconceito. Que a maçã volte a ser apenas uma fruta deliciosa em nossa mesa, e que a sexualidade humana seja vivida com a naturalidade e o respeito que merece. Afinal, o verdadeiro pecado talvez seja negar nossa própria natureza em nome de interpretações literais de metáforas antigas.
Questões Discursivas:
1. A maçã, fruto proibido no Éden, é carregada de simbolismos e interpretações. Qual o principal simbolismo da maçã na narrativa bíblica e como ele se relaciona com a busca por conhecimento e liberdade?
2. A crônica levanta a questão da relação entre sexo e sabedoria, questionando por que os profissionais do sexo não seriam mais sábios se o pecado original fosse um ato sexual. Como você interpreta essa provocação e que outros fatores você considera que podem influenciar a sabedoria de uma pessoa?
3. A maldição divina que atingiu os órgãos reprodutores e não o aparelho digestivo, segundo a crônica, levanta questionamentos sobre a natureza do pecado original. Qual a sua interpretação para essa escolha divina e como ela se relaciona com as diferentes formas de pecado que a sociedade contemporânea reconhece?
4. A crônica aborda a busca dos personagens bíblicos por emular o divino, desde Eva buscando a capacidade de gerar vida até Caim tentando exercer o poder de destruição. Como essa busca por poder e divindade se manifesta na sociedade atual e quais as suas possíveis consequências?
5. A crônica discute a relação da Igreja com a sexualidade, mencionando o celibato clerical e a classificação do adultério como pecado mortal. Como você avalia a visão da Igreja sobre a sexualidade e como ela se compara com a visão da sociedade contemporânea sobre o tema?