Humanidade baixa
Contei meus pés de galinha, minhas olheiras, meu bigode chinês, minha insônia dilacera, todos meus esquecimentos permanentes e cheguei à conclusão de que minha humanidade está muitissimamente baixa.
Procurei saber, na internet, se há vacina contra humanidade baixa. Não encontrei. Encontrei a cotação do dólar, o índice de desemprego, o valor da dívida externa, a localização da Linha do Equador, o nome de todos os ex-presidentes dos EUA, o Balsâmico da Letônia, uma geladeira com freezer invertido... Mas informações sobre alguma vacina contra humanidade baixa não encontrei.
Levantei-me e fui fechar e abrir gavetas. Procurei em todas, não encontrei a vacina. Aproximei-me das janelas, fechadas. Não, pelas janelas, a humanidade baixa não passa. Mudei de caminho, cheguei ao telhado e descobri que a humanidade baixa ao telhado não sobe.
Desci. Fui comprar pão. No caminho, andei na contramão, passei no tempo, ignorei as horas e cheguei à padaria, fechada.
Voltei, atento à direção e menos à velocidade. Fui conversar com João Gostoso; procurar saber dele se sabia onde posso encontrar a vacina para humanidade baixa. Ele que pessoalmente fez essa procura, lá no Morro da Babilônia, antes de entrar no bar Vinte de Novembro, beber, cantar, dançar e atirar-se na lagoa Rodrigo de Freitas e morrer afogado.
Às vezes fico pensando seriamente na procura de João Gostoso, e lamento que essa procura não faça o meu tipo. O meu tipo é menos operacional, cheio de teoria, de vários tipos, romântica, inócua, desumana. E a de João combate até a humanidade baixa e a baixa humanidade.