CURUMIM

Aquele menino sentindo-se só, caminhava pela rua chutando tudo o que encontrava pelo caminho. Cabisbaixo ficava a pensar de como seria sua maturidade quando esta, o alcançasse. Como se sentiria, somente só? Acompanhado? Iria se casar? Ter filhos? Seria pobre? Rico? Famoso? Diante de tantas perguntas sem respostas, ele continuava a sua vida sentindo-se solitário. De poucos amigos, vivia sonhando na esperança de um dia sentir-se feliz por completo. Percebia nas casas da vizinhança, confortos ausentes em seu lar. Se questionava por que, sentia-se diferente dos demais. Adorava caminhar na chuva, sentir seu corpo molhado, lavado, depurado.

A mata era seu segundo lar, onde caminhava com maestria, se conectava com a energia da mãe natureza, voltando a suas origens. Se despia, libertando-se por completo daquele menino frágil, tornando-se um curumim travesso livre das amarras que o algemavam. Conversava com as plantas, as árvores, admirava o colorido das borboletas, o cantar das cigarras, se extasiava com a brisa do vento penetrando seus poros. Saltitava entre pitangueiras, goiabeiras, ingazeiros, vassourais e tantas outras plantas e árvores que completavam o ecossistema daqueles tempos de criança. Hoje, a mata fora substituída por arranha-céus, uma avenida e casas de porte médio onde em sua maioria residem famílias oriundas de outras plagas. As lembranças de outrora, teimam em se alojarem em sua memória fazendo com que ele, em momentos de solidão, sinta-se transportado a um passado distante.

O aroma do café passado num coador de pano, com a água fervida no velho fogão num crepitar de lenhas secas aquecendo o humilde ambiente, formavam um cenário espetacular. O cheiro da laranjeira em sua floração, os pés de cana que delimitavam com o lote vizinho. O velho cachorro Sheik, em sua ronda diária percorrendo as duas extremidades do terreno numa guia de arame tal qual o trem, num vai e vem sobre os trilhos chorosos. O Coleirinha na gaiola a cantar, ou seria um lamento de sentir-se preso entre quatro aramados? Orgulho de seu algoz, ser ele, um grande cantador...

A noite chegava, era hora de caçar vagalumes. Que belo espetáculo, transformar velhas latas de leite furadas e vidros de conservas em coloridas lanternas a custas de inofensivos lampirídeos, onde a gurizada se deleitava com estas peraltices sob a anuência de seus tutores. E hoje, as crianças brincam de que mesmo? Brincadeiras sadias e criativas emergiam daquelas mentes inocentes. Não existiam jogos eletrônicos. Assistir televisão era uma diversão pouco usual naqueles tempos, afinal, um único vizinho tinha o privilégio de ter em sua casa um velho televisor Colorado RQ. Para assistir a novidade, a vizinhança ficava defronte a (s) janela (s) da sala admirando aquele estranho aparelho, que para algumas pessoas mais vividas, era uma invenção do capeta com o intuito de desvirtuar ou virar a cabeça dos mais jovens.

Na escola, diziam ser um aluno exemplar. Não fazia bagunça como os demais, evitava aglomeração, falava apenas o necessário quando inquirido por seus mestres. Desta forma ele crescera, aprendera duras lições, porém nunca se desviara do caminho o qual lhe considerava o correto. Sentimentos de fraternidade e igualdade estavam impregnados no seu caráter. Mas a vida não se resume em jardins de rosas e jasmins, há de ter espinhos, para acordarmos dos momentos letárgicos que vez e outra nos deparamos, pois estes, nos servem de aprendizado e crescimento. Acordamos para a realidade, deixamos no passado noites de insônia para sonharmos, projetarmos futuros e experenciarmos uma vida mais fraterna, de paz, amor, empatia para com o outro. Aquele menino não mais está só...

Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 23/02/21

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 23/07/2021
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