A PROVA...

Clara estava com cinco anos, quando sua mãe, mãe solteira, encontrou um caixeiro viajante, com quem foi morar, e teve mais quatro filhos, O padrasto vivia viajando, e semanalmente quando voltava, trazia algum dinheiro de suas vendas, que serviria para passarem a semana. Sua mãe fazia cocadas que vendia para completar o minguado orçamento. Aos 14 anos, após seu padrasto ter falecido num desastre, a situação piorou muito, e ela começou a trabalhar em casas de família para ajudar a mãe. Agora aos 18 anos, trabalhava na casa do coronel Artigas, pessoa proeminente na cidade. Apesar de magra, Clara havia se tornado uma linda jovem e começou a ser assediada por Pablo, o filho do coronel que lhe fazia mil promessas. Cedeu às investidas do rapaz e engravidou. Quando o coronel soube, repreendeu severamente o filho irresponsável e a despediu imediatamente. Clara viu que a história de sua mãe se repetia. Sem a menor perspectiva de uma solução, começou a vender as cocadas que sua mãe fazia. Diariamente, com a cesta de vime cheia dos doces, antes de sair apregoando pelas ruas Clara ia para a estação rodoviária oferecer as deliciosas guloseimas aos passageiros que, em fila, aguardavam os embarques. Num dado momento, um rapaz que vinha correndo para pegar o ônibus que já dera saída para Belo Horizonte, chocou-se violentamente com ela, que se viu no chão junto com todas as cocadas, e debaixo de Leonel que perdeu o ônibus e a vaga do emprego prometido, mas encontrou naquele rosto delicado, onde escorriam lágrimas pelo prejuízo e pela dor dos joelhos esfolados no tombo, o amor de sua vida. Ele fez questão de socorrer a moça e de indenizar o prejuízo com as cocadas. A acompanhou até sua casa, e em breve começaram a namorar. Menos de um mês depois do tombo foram morar juntos. Clara, que nada havia contado a Leonel sobre sua história, anunciou ao companheiro no mês seguinte, que teriam um bebê, o que o deixou muito feliz pois sempre sonhara em ser pai. Casaram-se no civil na mesma semana em que saiu no Diário Oficial o resultado do concurso para a Secretaria de Administração do Município. Leonel classificado em primeiro lugar tomou posse imediatamente. Não poderia haver felicidade maior. Clara, continuava muito magra e não foi difícil esconder o progresso da gestação, até que naquela manhã, depois de uma noite mal dormida devido às primeiras contrações, a bolsa rompeu-se e Leonel imediatamente a levou ao hospital, onde nasceu um belo menino de pele muito clara, cabelos e olhos escuros, e com uma grande mancha castanha no pulso esquerdo. Preocupado com o “parto prematuro”, Leonel nem se deu conta do laudo médico de gestação completa. Estava radiante por ser pai de um lindo menino! Era notório que algo estava errado. O menino, que recebeu o nome de Paulo por sugestão de Clara, crescia forte e saudável, porém seus cabelos começaram a crescer e encaracolarem-se, em contraste com os cabelos lisos e loiros e os olhos azuis de Leonel como também os olhos verdes de Clara, que era ruiva. A mancha em seu pulso se acentuava em sua pele muito clara. No cargo público que Leonel ocupava, tinha contato com quase todos os moradores da Cidade. E um dia recebeu escrituras de venda de propriedades do coronel Artigas, que se encontrava muito doente e passou a procuração para seu único filho, Pablo Artigas. Ao atender o rapaz, que precisava assinar vários documentos, Leonel reparou na mancha em seu pulso esquerdo. Igualzinha a do seu filho Paulo.

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Interessante o sinal em seu pulso, parece um relógio, disse Leonel tentando imprimir na voz a melhor casualidade possível. É sinal de família. Meu pai e meu avô tinham exatamente iguais a este, respondeu Pablo. Leonel também observou os olhos negros e os cabelos castanhos encaracolados do interlocutor, concluiu o atendimento sem mais nenhum comentário e marcou o retorno para o acompanhamento do processo na próxima semana. Em casa, sem comentar nada com Clara, Leonel retirou da pasta de documentos importantes a cópia de declaração de nascidos vivos, a certidão de nascimento e a carteira de vacinação onde constava o grupo sanguíneo, que por ser diferente do de Clara, ela fora obrigada a tomar o medicamento injetável para evitar a eritroblastose fetal caso tivesse uma nova gravidez, mas, como o filho deles poderia ser Rh positivo se ele e Clara eram do grupo negativo? Ainda sentados depois do jantar, Leonel perguntou à Clara: - Meu bem você se lembra do dia e mês em que nós nos conhecemos? Sem olhar diretamente para o marido, Clara falou que não tinha certeza, mas disse uma data trinta ou trinta e cinco dias antes da data real, a qual Leonel sabia muito bem, pois havia perdido a oportunidade do emprego em Belo Horizonte. E não falaram mais no assunto. Dois dias depois, sob o pretexto de que faltava uma assinatura, Leonel ligou para Pablo e pediu que ele viesse à repartição e, no meio da conversa, procurou saber se uma moça chamada Clara havia trabalhado na casa deles, porque ela estava se candidatando a trabalhar para a família dele e havia indicado os Artigas como referência... Pablo teceu os maiores elogios aos trabalhos realizados pela moça e, à socapa, disse que ele havia tido uns encontros tórridos com ela e que, se ele soubesse como leva-la na conversa, não iria se arrepender em contrata-la, pois ela era realmente especial. Nem havia encerrado o expediente, Leonel saiu da repartição e foi andando até a praça central. A catedral estava de portas abertas com vários fiéis preparando a decoração, para as festas do Natal que se avizinhava. Sentado num dos bancos, com a cabeça em chamas, Leonel nem notou que uma senhora lhe entregava um folheto com a fotografia de uma família risonha, pai, mãe e garotinho, sendo os adultos louros como ele e Clara e o garotinho negro. No verso o evangelho de São Mateus 1:20. Leonel leu diversas vezes a mensagem. São José tinha procedido com verdadeiro homem, não expusera sua mulher à execração pública e se dedicara à criação do filho de Deus. Era isso. Ele não iria abandonar nenhum dos dois, seria um pai dedicado como fora São José. No dia seguinte entrou com o processo de investigação de paternidade, depois a alteração no registro de nascimento, para a criança ter o nome da família do seu pai biológico e também figurar na lista de herdeiros da imensa fortuna dos Artigas.

Cléa Magnani e ALBERTO VASCONCELOS
Enviado por Cléa Magnani em 19/07/2021
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