DE VOLTA PRO PASSADO... A VILA DOS QUARENTA...
Quando eu estava com um ano e meio, em fevereiro de 1949, meus pais compraram uma casa na VILA DOS QUARENTA, também conhecida como VILA QUÁ QUÁ.
Esse nome estranho era por causa de uma loja de calçados que existia na Praça Clóvis BeviláCqua, cujos sapatos eram vendidos por quarenta mil réis, e em cuja fachada, havia um enorme pato amarelo “dizendo”: - QUÁ, QUÁ!
O proprietário da tal casa de calçados, talvez preocupado com o atraso de seus funcionários, que residiam em vários bairros distantes, teve uma brilhante ideia: comprou uma área naquele bairro em formação, que fazia parte de um sítio onde eram criadas vacas leiteiras que eram ordenhadas no curral próximo à parte central do loteamento, e ali, onde duas estradas de terra se encontravam, formou-se um largo, que depois de vendido para o mencionado dono da casa Quá-Quá, recebeu o nome de Praça André Nunes. Nessa praça,dezoito terrenos de 10m de frente, por 40m de fundos, foram demarcados, e casas de alvenaria, com dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro foram construídas em um de cada dois lotes perfazendo nove casas e nove terrenos sem construção, que evidentemente eram mais baratos, e foram oferecidas aos funcionários da dita Loja dos Quarenta, para que todos ficassem próximos uns dos outros; assim, com a criação de um ramal da linha de ônibus, da Viação São João Clímaco, que já servia os moradores da Estrada das Lágrimas e tinha seu ponto final no Parque Dom Pedro II, ele pretendia que todos os seus funcionários tivessem ônibus “na porta,” e assim chegassem todos na hora certa.
Porém, quando os funcionários vieram conhecer o loteamento, com luz elétrica nas casas, mas não na praça, nem nas duas ruas sem pavimentação que terminavam na Rua Vergueiro, e condução na porta, mas sem água, a não ser a dos poços que cada um teria de pagar para fazer, e com a condução reduzida a uma viagem pela manhã, que voltava à hora do almoço, e depois os levaria de novo e os traria ao final do expediente, nenhum deles aceitou vir morar “naquele fim de mundo” a dez quilômetros da praça da Sé...
Foi quando meu pai, meu avô e três de meus tios, todos com suas famílias e com seus automóveis, decidiram vir povoar aquele “sertão,” Foram chamados de loucos pelos outros dois irmãos que moravam na Vila Pompeia, mas o ar puro, o silêncio, a Natureza, as frutas e verduras, as galinhas, patos e coelhos que minha mãe e minhas tias plantavam e criavam, nos alimentavam, a mim e aos meus primos, com tudo o que hoje se paga muito caro para conseguir, e certamente com uma qualidade e pureza que nenhum produto orgânico de hoje consegue ter.
Os poços furados pelos poceiros, aqueles heróis que iam se enfiando terra a dentro, amarrados a uma corda, que seu ajudante, quase sempre filho ou sobrinho, que ficava fora do buraco redondo desenrolando e enrolando a corda no sarilho de madeira, tirando os baldes com a terra escavada pelo “mestre em encontrar água só de olhar no chão”, eram muito instáveis... Muitas vezes, ao ser retirado do buraco que o engolia mais e mais, a cada balde de terra retirada, a corda não resistia e a queda naquele espaço exíguo, provocava fraturas, e até era fatal. Outras vezes o desbarrancamento da terra úmida ao se aproximar do veio d’água soterrava o pobre poceiro. E até a inalação de gás resultante da decomposição de matéria orgânica, poderia causar um desmaio, que só era percebido tarde demais, quando a corda não era agitada avisando que o balde estava cheio de terra porque o poceiro estava morto... Mas a água do poço quando ultrapassava uma camada de pedras, era maravilhosa! O difícil era retirá-la, com o sarilho, ou com bombas manuais ou elétricas.Coisa que hoje não se vê mais, com a água encanada...
Morei ali naqueles oitocentos metros quadrados até 1972, quando me casei. Meu pai falecera em 1966, e minha mãe ainda residiu ali até 1977, quando adoeceu e veio morar comigo. Então vendemos nosso terreno para um senhor japonês que com seus dois filhos abriram quatro supermercados pelos bairros vizinhos e já havia comprado os terrenos de meus tios para que com o nosso fazer a maior das suas lojas ali na Praça André Nunes. Na ocasião da compra ele nos prometeu que preservaria uma das muitas árvores que tínhamos plantado ali. Essa árvore, é um Jatobazeiro que trouxemos de Itapira, a cidade natal de minha mãe, quando lá estivemos em 1952, quando eu tinha 5 anos de idade. Eu não conhecia Jatobá e minha mãe trouxe um para que eu conhecesse. Ela quebrou a casca dura daquele fruto estranho, com um cheiro esquisito, com o salto do sapato, dentro do trem da Mogiana em que viajávamos. Eu achei horrível aquele pó amarelado que grudava dos meus dentinhos de leite... Ela guardou as sementes e as plantou em nosso quintal, próximo ao poço. A plantinha se desenvolveu muito, com as raízes refrescadas pelo poço de 23 metros de fundura, que foi desativado com a chegada da água da SABESP muito depois do falecimento de meu pai.
Aquele Jatobazeiro assistiu o desenvolvimento da Vila dos Quarenta, que com a construção da Paróquia de Nossa Senhora das Mercês passou a ser VILA DAS MERCÊS, embora muitos insistam em dizer: “MÉRCES”; assistiu o progresso de uma Praça que hoje é a entrada do Bairro que se avizinhou de outros bairros super populosos.Aquela árvore acompanhou a história da ideia daquele dono da Casa dos Quarenta. Viu uma capela se transformar em Paróquia. Assistiu dramas e comédias das vidas de seus habitantes. Sustentou em seus galhos o balanço que me embalou quando criança. Assistiu toda a minha história. E hoje, quando aperta a saudade de reviver um pedacinho da minha vida, eu vou até o estacionamento do moderno Sacolão que ocupa quase que todo o espaço do que foi a minha casa e a de meus tios, e cumprimento solenemente aquela “Senhora” de 68 anos,que com mais de 10 metros de copa, dá sombra e sussurra ao vento as canções da minha infância...