O Diário da borboleta azul cap. 7
_Por que você acha que devo te contratar? - perguntou o gerente daquela rede de lojas Plus-size e, depois de eu ter respondido a um intenso questionário.
Como eu tinha aversão à essa pergunta! Fazia com que as borboletas na minha barriga despertassem automaticamente, causando-me um desconforto gigante, como se eu fosse em segundos arremessada de um Bamb jamp.
_Calma! -pensei, já sentindo as mãos suarem. Não sou "marinheira de primeira viagem" e essa pergunta é típica de entrevistadores, não podia desviar os olhos daquele homem de estatura pequena, franzino, de óculos "fundo-de-garrafa" e roupa toda preta. Eu não podia fracassar na resposta, precisava "dominar a situação"afinal, aquele emprego era importantíssimo pra mim e, eu não podia colocar tudo a perder gaguejando, ou deixa do que ele nota-se insegurança.
Eu lembrava da bucha de chiclete e sentia um desânimo enorme, só de lembrar que meu cabelo, além de todo desconectado, quebrado, estava sujo. Agora eu precisava me concentrar!
_Sou boa no que faço, trabalho com o público já há algum tempo, tenho o perfil para o cargo, acima de tudo gosto de ensinar e também de aprender. - Respondi.
Ele me olhou como se aquilo não fosse o suficiente. Notei um traço de decepção em seu rosto, talvez pensasse que eu havia decorado a resposta. Ele me olhava por cima dos óculos.
_Você lê livros? Qual o último livro que você leu?
Ops! Por essa pergunta eu não esperava! A loja era de roupas e ele queria saber se eu lia? Fazia um bom tempo que eu não lia um livro, mesmo amando a leitura eu havia relaxado nesse hábito e o pânico não me deixava recordar o último título que eu lera. Um branco tomou conta de mim e eu, não podia "chutar" qualquer livro , pois se ele me pedisse para explicar o livro? Eu estaria perdida!
As borboletas na minha barriga começaram a bater na parede do meu estômago e eu tentava as controlar. O gerente fizera eu lembrar do meu professor de português da sexta série, quando me pediu para ir a frente da sala inteira para explicar um livro do Machado de Assis.
À minha frente estava uma livraria. O cheiro do limpa- vidros me chamou a atenção. Rapidamente passei os olhos naqueles títulos. Eram tantos! Quanto tempo eu não entrava numa livraria nem que fosse apenas para sentir as capas e o cheiro de livro. Então meu olhos escolheram um e arrisquei:
_Quem pensa, enriquece, de Napoleon Hill.
O gerente tirou os olhos de sua prancheta e, me olhou com muita curiosidade e satisfação.
_Ótimo! Muito bom! Eu já o li também!
"Deus... Não permita que ele me pergunte do que se trata o livro".
_Pode começar na terça! - ele disse, abrindo pela primeira vez um sorriso. Prepare os documentos necessários, me traga na segunda-feira e, desde já seja muito bem vinda a nossa equipe!
Desci as escadas daquele shopping correndo feito uma criança, desviando-me das sacolas das pessoas. Foi pura emoção, enquanto eu cantava uma música do Cidade Negra: "Forte, sorte na vida, filhos feitos de amor".
Enfim, o emprego era meu! Uhuuuuuuuu!Que maravilha!
Foi um momento único, desafiador, qual eu sentia-me o próprio Will Smith no filme "Em busca da felicidade".
Me sentia livre, independente e, depois de muito tempo: Feliz.
Fazia alguns meses que eu estava desempregada e por isso tinha muitos motivos pra comemorar.
Fui pra casa flutuante! Adeus dias sem fazer nada, adeus ter de ficar em casa ouvindo as reclamações de minha mãe, ou passar o dia todo olhando para aquelas paredes opressoras que pareciam querer me engolir.
Depois, como sempre acontecia eu fui perdendo o interesse no trabalho. Por tudo eu me irritava e já não fazia a menor questão de permanecer naquele lugar. Eu não entendia porquê isso acontecia, uma vez que lutei feito uma leoa para conseguir aquela colocação. Tive que provar ao meu gerente que eu precisava daquele emprego, tal como o ar que respirava e ele, resolveu me dar uma chance mesmo sem eu nunca ter trabalhado com roupas Plus-size. Ele chegara ao ponto de dizer que eu não aguentaria uma semana no ritmo daquela loja, que eu era muito "magrinha".
O tempo então mostrou a ele e a muitos que eu não era tão frágil assim, comecei a me destacar em pouco tempo, conquistar clientes e cuidava daquela loja como quem cuida de um bebê.
Aquele ambiente de manequins sem cabeça era a minha vida! Mas de repente... Perdi o interesse.
Eu me irritava com a bagunça que os clientes faziam no balcão, com as luzes acesas nós provadores e, comecei a abrir as cortinas com violência. Alguns entravam comendo e bebendo, desrespeitando as regras da loja e eu não entendia isso.
Vivia escorregando em sorvete ou pisando em chiclete. Certa vez, uma mulher entrou na loja com um Dog-Alemão. Imagine! As regras eram para não permitir a entrada de animais e, mesmo assim, a dona do patudo, toda de nariz em pé insistia, dizendo que ela era uma cliente especial etc...
Então, meu gerente me dava um sinal com a cabeça consentindo, e ela entrava, "toda pomposa" com risinho sarcástico. Eu, ficava toda sem graça, irritadíssima perante meus colegas de trabalho, tentando entender pra que serviam as reuniões de equipe que éramos obrigados a ter e que nos tirava uma hora e meia mais cedo de nossas casas.
E, se o cão fizesse xixi no meio da loja ou nas araras? Quem iria limpar? Claro que nós, funcionários..
E todas essas "coisinhas" foram me cansando e então, já não fazia força para permanecer ali.
Me frustrei demais, tanto com o trabalho quanto com o salário. Decidida a me tornar "mochileira" e sair por aí em busca de lugares diferentes, pessoas diferentes, culturas diferentes...acabei escutando alguns conselhos e coloquei novamente os meus pés no chão.
Arrumei outro emprego, parecidíssimo com o anterior. O bom que ganhava bem mais e eu não precisava trabalhar aos domingos.
Ainda assim, eu pensava:
_Estou me esforçando tanto... De que adianta eu progredir financeiramente, estar noutro emprego e, continuar nesse marasmo de inquietude?
Eu não sabia o que fazer. Às vezes, chegava no meu patrão, olhava para o seu rosto calmo mas preocupado, afinal loja, funcionários, fornecedores...tudo isso era estressante pra ele e uma preocupação constante em sua vida. E eu estava disposta a pedir as contas, mas desistia e voltava a trabalhar. Pensava:
_Será que para ser feliz terei de entrar no jogo da ilusão da vida?
Mas, por outro lado, meu pai estava bem, minha mãe mais calma e eu, possuía um caderninho cheio de clientes, comprado um computador e tentava arriscar escrever um livro e isso não era nada mal para alguém que se intitulava "escritora". Por tudo isso, pensei: "Pra quê mexer em time que está ganhando?"