Falo em preocupa-se à toa

Numa noite das mais quentes do ano, duas da matina, me liga um amigo. Não ouvi tocar o telefone, provavelmente por já estar flutuando nos degraus mais profundos do sono. É tão bom dormir quando se está cansado. Ar-condicionado no modo Polo Norte e só aquela mantinha por cima do corpo. Dá para roncar à vontade.

Mas eu infelizmente perdi a chamada do próximo! Soube do seu telefonema ao identificá-lo na secretária do celular logo pela manhã. Pensei: – O que seria tão importante a ser dito que não pudesse esperar para o dia seguinte?

Não liguei de volta. Mandei-lhe um recado pelo “Watsapp”, do tipo despretensioso – E aí. Tudo Certo? Não foi recebido. Não sou ansioso, mas de cinco em cinco minutos eu olhava na tela do aparelho telefônico e nada de resposta. Preocupei-me, de certa forma, pois foi atípico e curioso.

Não costumo ligar para ninguém. Da mesma forma, não recebo muitas ligações. Quem sabe inconscientemente eu deixe transparecer meu desconforto pela conversa à distância em poucos minutos de prosa pelo telefone móvel. Perdoem-me por ser assim... Sou do olho no olho, do tête-à-tête, do aperto de mão e do abraço. Acho importante guardar alguns bons assuntos para os momentos de encontro físico, onde podemos contar com mais veracidade e emoção cada caso, gesticulando com os braços e a face, rindo e sentindo no outro a mesma satisfação em ouvir. É daí que me refiro!

Então pensei com mais frieza e racionalidade, e deixei pra lá. Não havia de ser nada tão urgente ou importante. Preocupa-se não resolveria. Quem sabe tivesse me ligado sem querer, enquanto se divertia com seu novo aparelho telefônico. Ou, quem sabe, tivesse enfim finalizado aquele poema que há tempos carecia de um verso, e estava apenas na ânsia de que eu o ouvisse e desse meu parecer crítico. Poeta de mão cheia é ele.

Mas o cara é solitário, e apesar de meu amigo, não temos intimidade para telefonemas fora de hora. Poderia ter me mandado uma mensagem de texto ou até mesmo de voz se precisasse. Por que me ligaria de madrugada? O que poderia querer ele nessas horas da noite? A essa altura eu já havia enchido a caixa postal dele com mensagens e chamadas, e foi-se o dia todo. Telefone desligado!

Eis que no dia seguinte recebo uma mensagem da figura, que mal escrita dizia o seguinte:

- KKK... Não foi nada, meu amigo. Fiquei sem luz em casa e o mosquitedo não me deixou dormir a noite toda. Então eu liguei pra todo mundo, só pra matar o tempo... Mas agradeço a preocupação... KKK.

- Matar o tempo? Devia era ter matado os mosquitos!