MARECHAL HERMES, BAIRRO CARIOCA
O POETA DE MARECHAL HERMES
Nelson Marzullo Tangerini
Recebi, pelo zap - e não pelas mãos -, de Cláudio Anjos, o poema em homenagem ao bairro de Marechal Hermes, que ora publico nesta crônica. Sim, pelo zap, porque, além de estarmos na era da tecnologia em constante movimentação, é perigoso sair à rua neste momento, em que a pandemia tem ceifado inúmeras vidas humanas.
VERSOS DE AMOR POR MARECHAL HERMES
Era 1913. Ruas abertas no meio do nada.
Parte da Fazenda Sapopemba toda cortada.
Nasceste do sonho do Marechal,
que o sistema insistiu em interromper.
Porém, tua gente guerreira
jamais deixou isso acontecer.
E assim surgiste
das largas avenidas do progresso,
dos novinhos casarões,
do trem chegando na estação.,
das praças, escolas e lindas árvores,
defronte a janela vendo o papai descer do vagão.
Das calorentas noites a madrugadas,
onde cadeiras nas calçadas
eram o suporte dos nossos pais.
E nós, de forma inocente,
brincávamos alegremente
entre mangueiras e laranjais.
Vargas tentou prosseguir
o sonho inicial.
Construiu teatro e hospital,
blocos de apartamentos
e, na girândola do tempo,
foi moldando Marechal.
Contemplo meu Marechal boêmio.
Na cadência do samba ou chorinho,
fumaças dos cigarros esvoaçadas.
A luz que vem do poste amarelada.
Cerveja Alegria e batucada.
E corações desfrutando carinho.
Hoje te vejo ofegante,
refém de um passado distante
do sistema mesquinho.
És meu Marechal Hermes,
bairro que eu tanto amo,
lembrança constante pelo meu carinho.
Cláudio, professor de História, passou sua infância e adolescência em Marechal, como é carinhosamente chamado, e, saudoso, escreveu este belo poema para o bairro que foi criado para homenagear o Marechal Hermes da Fonseca.
Conversando por zap com Cláudio, como já disse, o professor me fala de quando ia ao estabelecimento do fotógrafo italiano Giovanni (João) Marzullo para tirar fotografias para o certificado de reservista, para a carteira de trabalho ou para a carteira de identidade.
Coincidência ou não, João Marzullo, parente distante, o fotógrafo mais famoso do bairro era primo de meu avô materno, Emílio Marzullo, também calabrês.
As recordações fotográficas de Cláudio nos remetem a um tempo em que a escola não era risonha e franca, uma vez que, ali perto, na Vila Militar, torturava-se quem fizesse oposição ou denunciasse a corrupção no regime vigente.
Enfim, o professor e poeta, num poema beirando ao épico, reescreve a história do bairro, como relembra momentos de sua infância e adolescência.
Como diria Elias Canetti, escritor búlgaro, no livro “Die provinz des menschen”, que nunca esteve no bairro do Marechal, “Tudo o que foi esquecido brada por socorro nos sonhos”.
Talvez a citação de Canetti não venha ao caso, mas aproximei-a de Cláudio para dar mais ênfase ao que sentiu o historiador, quando perpassaram essas boas lembranças pela sua memória prodigiosa.