CÉU FLUMINENSE
SOB O CÉU FLUMINENSE
Nelson Marzullo Tangerini
Para o céu olham todos os poetas, ainda que pelos corações parnasianos não atravessasse a chama da paixão romântica, execrada pelos realistas, naturalistas e parnasianos, fundadores da severa ABL, Academia Brasileira de Letras.
Olavo Brás dos Guimarães Bilac (* Rio de Janeiro, 16.12.1865 - + Rio de Janeiro, 28.12.1918), poeta parnasiano que andou cometendo deslizes românticos, apesar da “paixão medida”, escreveu o soneto Via Láctea, quando o amor lhe bateu à aorta, utilizando aqui, expressões drummondianas.
“VIA LÁCTEA XIII
Ora, direis, ouvir estrelas, certo
Perdeste o senso, e eu vos direi, no entanto
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto
Cintila; e, ao vir do Sol, saudoso e em pranto
Inda as procuro pelo céu deserto
Direis agora: Tresloucado amigo
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?
E eu vos direi: Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Antônio Mariano Alberto de Oliveira, (* Saquarema, RJ, 28. 4.1857 - + Niterói, RJ, 19.1.1937) também parnasiano, mais duro, porém, nessa questão de estilo, descreve a beleza do Céu Fluminense, o qual, por toda a vida, norteou o poeta e farmacêutico saquaremense:
“CÉU FLUMINENSE
Chamas-me a ver os céus de outros países,
Também claros, azuis ou de igneas cores,
Mas não violentos, não abrasadores
Como este, bárbaro e implacável – dizes.
O céu que ofendes e de que maldizes,
Basta-me entanto: amo-o com os seus fulgores,
Amam-no poetas, amam-no pintores,
Os que vivem do sonho, e os infelizes.
Desde a infância, as mãos postas, ajoelhado,
Rezando ao pé de minha mãe, que o vejo.
Segue-me sempre… E ora da vida ao fim,
Em vindo o último sono, é meu desejo
Tê-lo sereno assim, todo estrelado,
Ou todo sol, aberto sobre mim”.
Nestor Tambourindeguy Tangerini (*Piracicaba, SP, 23.7.1895 – Rio de Janeiro, 30.1.1966), que morou em Niterói nos anos 1920, onde fez parte do legendário grupo literário do Café Paris e abraçou com firmeza o fluminensismo, conheceu Alberto pessoalmente – ou o viu passar pelas ruas de Niterói, antiga capital do Estado do Rio de Janeiro. Em homenagem ao poeta, Tangerini escreveu o soneto “Paralelepípedo”, publicado no livro Humoradas, da Editora Autografia, Rio de Janeiro, RJ, 2016.
Ainda que os modernistas tentassem demolir o Parnasianismo, muitos poetas seguiram escrevendo sonetos decassílabos ou alexandrinos, como Luiz Leitão, Renê Descartes de Medeiros, Brasil dos Reis, Olavo Bastos, Mazzini Rubano, Apollo Martins [do Café Paris], entre outros, como Maurício Marzullo (cunhado de Tangerini), José Oiticica, Manuel Bandeira e Vinícius de Morais.
Vinícius, portanto, não foi o único nem o primeiro a escrever sonetos após o advento da Semana de Arte Moderna de 1922, quando se julgava que o Parnasianismo estivesse sepultado.
A falta de leitura de muitos pesquisadores de literatura fez com que muita gente cometesse erros crassos, o que ocasionou na exclusão de muitos poetas, hoje ausentes em teses de mestrado ou doutorado ou em antologias. Talvez por serem sonetistas, considerados “passadistas”, por Mário de Andrade.
Nestor Tangerini e Maurício Marzullo, por exemplo, continuaram publicando seus sonetos em revistas das décadas de 1930 e 1940, como na Vida Nova e n'O Espêto, respectivamente..
Publicamos, aqui, o soneto “Céu”, do poeta Nestor Tangerini, da 2ª. geração parnasiana, obedecendo a temática proposta pela crônica: o céu fluminense:
"CÉU
Ei-lo, dentro da noite, olímpico, ostentando
A estelar cravação que o peito lhe atravessa.
São um sol fragmentado as estrelas em bando
- Cada estrela assinala uma solar promessa.
É grande como Deus esse Azul formidando,
Essa amplidão sem termo, imensurável, essa
Ubíqua vastidão, que, os mundos abraçando,
Principia onde acaba e acaba onde começa.
Devotando o meu culto ao majestoso templo
Da astral religião – enlevado, contemplo,
Dentro da noite calma, o céu da noite acesa.
E me fico a pensar, e, pensando, o suponho
O interior de um crânio, onde existisse, em sonho,
A beleza imortal de toda a natureza!"
Escrito em Niterói, RJ, nos anos 1920, este soneto só veio a ser publicado na p. 266, da IV Coletânea Komedi, 2000, Campinas, SP, e, posteriormente, no livro DONA FELICIDADE [Nova Versão], Editora Autografia, Rio de Janeiro, 2017.
Ver pintura: O Parnaso, segundo Rafael.