O padre e o lobisomem
Nenhum vivente ficou sabendo por quais cargas d’água o padre Bento arrumou encrenca com um lobisomem, dizem os cuidadores da vida alheia que o motivo foi uma paixonite aguda que o mocinho Bento teve por Ziza Mutuca, na adolescência.
Bentinho foi uma das vítimas do lobisomem que não dava moleza a quem paquerasse Ziza Mutuca, e foi por pouco que o garoto Bento escapou das garras da besta fera; ficou tão traumatizado que se entregou de corpo e alma ao Senhor, e foi para um seminário, único local onde o lobisomem jamais o atacaria.
Quando Heitor Mutuca nasceu, padre Bento estava visitando sua mãe no bairro Tucum, e seus familiares pediram ao padre que batizasse, numa boa, a criança. Assim provaria à todos que Ziza Mutuca estava no seu passado, e o passado enterrado para sempre.
Todo o santo homem, seja padre, pastor, pai de santo, xamã, pajé, benzedor, curandeiro, adora salvar uma alma das garras do demônio; o jovem padre Bento ficou sabendo que Ziza Mutuca casara apenas no civil com Zé do Mato, e sendo assim vivia em pecado com o companheiro naquele casebre escondido na mata, e foi fazer uma visita ao casal...
Paixão mal resolvida não dá moleza; bastou o padre Bento por os olhos em Ziza Mutuca e a adrenalina foi a mil. O coração disparou em leve tremor, aquele calorão... A matuta Ziza nem se tocou, mas Zé do Mato por ser um lobisomem, e ter todos os sentidos super aguçados, na hora ficou sabendo que de santo, o Bento não tinha nada.
Naquela noite o lobisomem novamente atacou o padre Bento, coisa feia de se ver! Dilacerou a veste do santo homem, e o homem não estava usando nada por baixo da batina, o sacerdote ficou pelado na estradinha rural, Maria Safadinha falou; -“Quanta coisa a mulherada perdeu!”, e foi assim que padre Bento, quase morto de susto e vergonha, se mandou do bairro do Tucum...
O tempo passou, Heitor cresceu, Zé do Mato morreu, padre Bento envelheceu... Bento com mais de sessenta anos chegou para uma visita aos parentes, soube da viuvez de Ziza Mutuca, e foi apresentar seus sentimentos. Entrou na tapera, Ziza apesar da terceira idade deixar suas marcas permanecia linda...
Padre Bento deu um abraço de pêsames em Ziza, e novamente aquela eterna adrenalina, começou a tremer, a se babar, e não conseguia soltar a mulher; coisa de tarado! Ziza que também estava carente, mas respeitava a memória do falecido, num fiozinho de voz consegui gritar; - Socorro!
O lobisomem chegou chegando, jogou o padre contra a parede, arrastou o santo homem para fora de casa, e estava pronto para arrancar a sua cabeça quando Ziza pediu; -“Não faça isso! Não mate um homem de Deus!”
O lobisomem estava encima do padre, babando em seu rosto, e o sacerdote todo borrado de susto; a besta fera fez cara de mau, levantou a perna direita e deu uma bela mijada no padre, e depois correu para a mata... Foi assim que o lobisomem Heitor vingou a afronta à seu falecido pai, o lobisomem Zé do Mato.
Povo do sitio não perdoa, é uma gente sarrista; padre Bento foi embora e desta vez para sempre, jamais esqueceu a besta fera, o terror que enfrentou, e o horrível apelido, “padre Bento Cagão”, que o senhor bispo jamais fique sabendo! Que vergonha, meu Bom Jesus de Iguape.
Gastão Ferreira/2020