A cigana e a benzedeira
Sou uma pessoa caseira e faço jus de todos os atributos que prega o “caseirismo”. Admiro quem goste, mas eu não gosto de viajar nem de fazer atividades que exijam sair de casa, exceto quando for a trabalho. Resumindo, sou muito chato, o que não é novidade pra ninguém.
Também sou daqueles amoladores, que criticam em demasia a sociedade atual, inclusive nossa capital, Porto Alegre. Sempre achei insegura, poluída, cara para viver e mal administrada, com obras mal acabadas ou por finalizar por toda a parte. Penso que as péssimas soluções de trânsito foram as responsáveis por transformar meu estilo de vida.
No entanto, em tempos de quarentena, com uma redução drástica no número de transeuntes, até aquele simples passeio pela cidade, por vezes, pode se tornar uma grande programação. É “como se a escuridão trouxesse luz”, diria o poeta Mauro Moraes.
Acabei entendendo que a saudade e um breve e improvisado distanciamento das coisas que gosto me fazem bem. Sinto que a Porto Alegre de hoje, está mais bonita aos meus olhos. Critiquem-me os puritanos de pensamento, mas parece que tudo que é proibido é sempre muito mais gostoso.
E para quem curte visitar cidades antigas, com aquela arquitetura clássica, com aquele cheiro de antiguidade impregnado no ar, indico que realizem um passeio pelo Centro Histórico da capital. Além do Mercado Público, muitas edificações, de magníficas curvas podem ser vistas e visitadas no centro da cidade. Construções da época em que ainda nos preocupávamos mais com a qualidade que com a quantidade, nos projetos arquitetônicos por exemplo.
Foi numa dessas passadas rápidas pelo Centro Histórico, mais exatamente na Praça Montevideo, em frente à Prefeitura Municipal, que meu destino mudou para sempre. Ali, em frente ao marco zero da cidade, fui surpreendido por uma cigana, que surgiu do nada, como se tivesse brotado do chão bem na minha frente. Pegou minha mão e foi logo lendo meu futuro:
- Você tem muita estrela... Muitas coisas boas estão por vir em sua vida! Mas, tudo que você irá conquistar dependerá exclusivamente de seu esforço, e que não será pouco.
Antes que ela prosseguisse, puxei meu braço e pus a mão no bolso. Agradeci-lhe com uma nota de dois reais. Saí dali pensativo, relembrando as palavras da cigana que, por ela, estaria até hoje lendo minha sorte e me dando orientações.
Apenas para contextualizar, os ciganos são nômades de origem indiana, na sua maioria. No Brasil, os primeiros ciganos chegaram em 1574, através de uma família degredada de Portugal. O Brasil detém atualmente a segunda maior população de ciganos no mundo, e muitos deles vivem no Rio Grande do Sul).
Não sou místico, mas as palavras tem seu poder. Quando ela me falou em estrela, ali, em frente à histórica fonte dos desejos gaúchos, a mística e única Talavera de La Reina, presente dado pela colônia espanhola aos gaúchos em 1935, acionou em mim algo que já estava guardado há mais de 30 anos. Foi um sentimento misto de curiosidade, esperança e medo.
Esperança, pelo lado inocente e constelar de meu futuro, e medo, não apenas pelo simples fato de ser profético, mas pela repetição de uma previsão. A visão da cigana em minha mão me lembrara de outra profecia, muito parecida, que eu já havia escutado quando era criança, na cidade de Três Passos:
- Você tem muita estrela... Mas, tudo que você irá conquistar será mediante muita dificuldade!
Foi de uma benzedeira. Não recordo qual era minha enfermidade, mas um dia fui levado para consultar uma benzedeira. Quando cheguei ao local da consulta, um quartinho malcheiroso nos fundos da casa, ela me colocou de pé num canto e começou a fumar, beber cachaça e soprar a fumaça contra minha direção. Não falava coisa com coisa. Fiquei com muito medo. Não corri de lá por falta de coragem.
Hoje me perguntando: de que me servirá tanta estrela, se terei que lutar e ralar muito para conquistar meus objetivos? Entendi. Servirá para iluminar o meu caminho quando me sentir nas trevas monótonas da chatice absoluta.