O ABRAÇO PROIBIDO

Sabrina viajou 560 quilômetros para visitar o pai na penitenciária. Chegando lá, autorizado o encontro no Pavilhão 7, ela não resistiu e o abraçou, contrariando as recomendações estabelecidas por causa da pandemia. O pai é Itamar Messias, condenado pelo sequestro e morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002. Quando ele foi preso e condenado, Sabrina ainda era uma criança. O abraço, represado, cresceu com ela, que não tinha como segurá-lo num momento tão significativo. Consequência: pela falta grave, Itamar perdeu o direito à progressão para o regime semiaberto, que seria em junho passado. Agora, só em agosto de 2023.

Vejam bem. Não estou defendendo o autor de um crime brutal que ocupou as manchetes da época e cuja pena vai até janeiro de 2.036. Estou defendendo, isto sim, o abraço, espontâneo, filial, contido durante anos. O abraço redentor, seguido, quem sabe, de um pedido de perdão.

Eram só os dois, pai e filha. Não havia aglomeração. Enquanto isso, outro Messias sai por aí, sem máscara, provocando ajuntamento, abraçando criancinhas, e nada acontece. Enquanto isso, barões da corrupção pegos no contrapé, pagam uma fiança irrisória e, em menos de 24 horas, voltam para casa, para receberam o abraço de seus filhos, com ou sem pandemia.

Eu servi à Justiça a maior parte da minha vida, mas ainda não me acostumei com essa diferença de pesos e medidas em certos casos. Sabrina não podia abraçar o pai, mas a moça que encomendou aos irmãos Cravinhos a morte dos pais dela ganhou, em certa oportunidade, o direito à saidinha temporária pelo Dia das Mães. Será que, pelo menos, ela visitou o túmulo de sua genitora e vítima?

E o Maníaco do Anchieta, aqui em Belo Horizonte? Quando finalmente foi preso, em 2012, vários crimes de abuso sexual já estavam prescritos. Por isso obteve liberdade condicional sete anos depois. Em seu lugar, um artista plástico já havia purgado dezoito anos de cadeia, graças a um julgamento precipitado que contou basicamente com prova testemunhal, sem perícia de material genético. Preso injustamente durante esse tempo todo, Fiúza perdeu o contato com seus familiares e também não pôde abraçar seu único filho que, hoje, “sequer o reconhece” (trecho da decisão).

Feita essa digressão, eu volto ao Pavilhão 7. Sabrina não cometeu o crime atribuído ao pai mas, indiretamente, também paga por ele, contrariando a norma de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. No caso, sua punição vai até agosto de 2023. Quem sabe, lá – debelada a pandemia -, ela já poderá abraçar o pai, como a mais amorosa das filhas? Ainda que não digam nada, tudo poderá ser dito nesse gesto, considerando que “abraçar é dizer com as mãos o que a boca não consegue, porque nem sempre existe palavra para dizer tudo” (Mário Quintana).

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 12/07/2021
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