As panelas da minha tia
Já contei pra vocês que eu tive uma tia paterna que cozinhava muito bem? Era especialista nas quitandas caseiras, em bolos, biscoitos, pão de queijo. Era maniada com limpeza, mas isso não atrapalhava o relacionamento dela conosco. Cabelo curtinho, usava vestidos abaixo do joelho, o andar miúdo, estava sempre atenta ao que nós fazíamos. Qualquer deslize ou comportamento considerado estranho, diferente, corria até meus pais e nos dedurava. Apesar da atitude questionável, isso não diminuiu nosso apreço por ela. Com o tempo, aprendemos a conviver; creio que foi a melhor atitude.
Quando lhe sobrava um tempo livre, quando estava de bom humor e queria nos agradar, inventava de fazer pratos diferentes, de assar bolinhos ou fazer deliciosos bolos de fubá. Em muitas ocasiões, permitia que acompanhássemos suas atividades na cozinha; em outras, nos queria bem longe do fogão. Parece que estava preparando uma poção mágica ou tinha algum segredo que não podia compartilhar.
Sempre foi muito cuidadosa com as panelas e demais apetrechos que usava. Panelas de alumínio, de ferro, caçarolas, colheres de pau, tacho de cobre, leiteira e a peça que nós considerávamos a mais bonita, a mais representativa do seu conhecimento culinário: a gamela de madeira. Como nos dava satisfação vê-la em ação misturando os ingredientes na gamela, entre outros preparados. Sabíamos que dali sairia algo gostoso. Aquilo tinha um aspecto pedagógico: ficávamos bem-comportados enquanto ela se encarregava do preparo da guloseima.
Nada de panelas elétricas, liquidificador, batedeira de bolo e outros utensílios elétricos. Tudo manual, cuidadosamente limpo e guardado após o uso. Cuidava das panelas com esmero, não deixava que amassassem, gostava delas brilhando. Pobres de nós caso deixássemos algo fora do lugar, fosse uma sujeirinha na pia ou um brinquedo perdido num cantinho difícil de pegar. Ela se zangava, dava beliscões, azedava o humor.
Quando um de nós encasquetava com limpeza ou resolvia organizar seu material de escola — livros, lápis, cadernos e outros pertences —, era comparado a ela, pejorativamente. Mas seu exemplo ficou marcado na memória, tanto é que suas lições e seu amor pela culinária permanecem vivos. Seu tempo ficou pra trás, creio que ela não se daria bem nessa época eletrônica, de ações rápidas, apressadas e às vezes tão displicentes. O que será que ela pensaria sobre comida processada, salgadinhos prontos, temperos e condimentos sem personalidade? Creio que torceria o nariz, que ficaria de mau humor, jogaria tudo no lixo. Não duvido que, se meu pai chegasse com um frango temperado em casa, ela seria capaz de lavar a ave e temperar de novo, a seu gosto.
Não sei onde foram parar suas panelas, seus apetrechos. Conseguiríamos deixá-los tão limpos como ela fazia? Não creio que a maioria hoje tenha sequer tempo para ir à cozinha numa tarde qualquer e preparar uma fornada de biscoitos! Nosso tempo é outro, mas certas práticas bem que poderiam ser repensadas — sem saudosismo. Aliás, garantir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, com respeito à biodiversidade e para todas as pessoas é uma obrigação permanente.