INVEJA POSITIVA

Inveja positiva,

Ao assistir a um final de reportagem destas homenagens realizadas pela Globo, ouvi a atriz Fernanda Montenegro falando: Fulano, perdoe-nos a inveja, pois você é uma pessoa invejável - não me lembro para quem ela falava isto – não era para o Paulo Autran.

Não sei se o termo é exatamente este: “inveja positiva”, mas é o que melhor expressa os meus sentimentos agora. Dizem que escritor pode alterar o real sentido das palavras, então será que um escritor entusiasta pode também? Que se danem os puristas, pra mim é isso aí.

Na adolescência fui um aluno “vagal”, o que me fez ir para frente foram os primos que iam passando em boas faculdades, eu com inveja deles resolvi me esforçar um pouco para passar no vestibular. Consegui, não naquela faculdade dos sonhos dos outros, mas servia para satisfazer a mim e aos meus pais. Formei-me em engenharia, exatamente na época em que o engenheiro da Av. Paulista virou suco. Explico: por falta de emprego, um engenheiro montou uma lanchonete na Av. Paulista e colocou o nome: “O Engenheiro que virou suco”.

Em razão da formação de um curso técnico, não me faltaram empregos. Numa viagem de retorno de uma obra, encontro um colega estudando no ônibus:

- Aí Jorge, tudo bem?

- Oh! Defranco, tudo bem, e você?

- Tudo; está estudando de novo?

- Pois é, resolvi fazer concurso público, a coisa não está boa para nós, não é?

- É a coisa tá feia. Concurso do quê?

- De fiscal de trânsito de mercadorias.

- Ô louco! Você vai deixar de ser Engenheiro para trabalhar de fiscal!? São aqueles que ficam nas estradas em divisas estaduais?

- Sim, aqueles mesmos... Sabe quanto eles ganham? Três vezes mais do que você, se estiver sendo bem pago como engenheiro, e trabalham em sistema de plantão 24 x 72 horas. Têm estabilidade, faça chuva ou sol, o deles vem. Não é como a gente, se chove muito, não tem medição na obra, e quando termina a construção o facão corta, não é?

Pois bem, o comichão da inveja positiva voltou a me atacar, fico com aquilo na cabeça. Nesta época, era procurador do Estado. Explico: era procurador de empregos no Estadão, recorto alguns anúncios, entre eles o de um cursinho preparatório na Sete de Abril, em São Paulo. Faço uma visita e me oferecem uma aula gratuita de Direito Tributário. Assisto e converso com os colegas e professores, a minha inveja aumenta e resolvo encarar.

Naquele tempo, os livros de auto-ajuda não estavam em alta, mas a freqüência em cursinho ajudou-me a encarar as coisas com seriedade: dois anos de preparo, trabalhava e já era casado e com filho. Fiz um concurso no Paraná, 100 vagas, 21.000 candidatos, só três pessoas passaram. Erraram a mão, provas complicadas, chegaram a perguntar: Quem tinha esculpido um busto do Fulano na Praça XV de Novembro em Curitiba? Quem era o fulano? Nem os curitibanos sabiam, ainda mais quem o teria esculpido. Cheirava alguma maracutaia. Fiz outro para técnico da receita, faltou pouco. Depois em seqüência: concursos para Minas, Mato Grosso do Sul e São Paulo, passei nos três. O primeiro a chamar foi Mato Grosso do Sul, fiquei lá 1 ano e 9 meses, até receber um telegrama de Minas para me apresentar, depois foi São Paulo, mas não fui, em razão do salário em Minas ser 40% maior. Hoje a situação se inverteu, ganhamos menos do que os fiscais paulistas.

Quando estudava para os concursos, tive aulas com professores sensacionais, tive inveja deles e, quando foi possível, me aventurei nesta seara. Aprendi com eles, copiei a didática dos melhores, até criar meu estilo. Certa vez, encontrei um casal de alunos no estacionamento me falaram que gostavam muito das minhas aulas, dizendo que tinha superado um dos meus ídolos. Procurei ter boa vontade comigo mesmo e considerei que talvez eu tivesse mesmo conseguido. Fiquei feliz.

Hoje, tenho inveja dos bons escritores daqui do Recanto das Letras, tenho inveja de quem escreveu “Uma aula de filosofia”, a “Lo” que se intitula uma balzaquiana, tenho inveja da boa cronista Maria Paula Alvim, com seus textos sensacionais. Será que um dia conseguirei escrever assim?

Sendo assim recomendo: Uma boa dose de inveja positiva e bem administrada faz muito bem.

Um abraço,

Defranco

Defranco
Enviado por Defranco em 09/11/2007
Reeditado em 09/07/2013
Código do texto: T729757
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