As cerejeiras
O sábado foi de passeio para ver as cerejeiras em flor. Falando assim, sinto-me quase um personagem de algum romance japonês, talvez de Tanizaki, de Kawabata, de algum escritor como eles, porque tenho a impressão de que nesses livros as pessoas estão frequentemente indo ver as cerejeiras em flor. Quem me dera ser personagem de ficção, e ainda por cima japonês. Miseravelmente, sou uma pessoa real, daquelas nascidas no Ocidente, onde há muito tempo o ser humano já se alienou da natureza, a ponto de achar que é alguma coisa diferente dela. De vez em quando, porém, tento resgatar um pouco das minhas origens, mas cerejeiras em flor é a primeira vez que vejo.
É uma praça aqui em Curitiba, mais precisamente no Jardim das Américas. Há muitas praças ali por perto, mas somente uma delas viraliza nas redes sociais uma vez por ano. Creio já ter passado ali por perto de bicicleta há algum tempo, mas, fosse por não ser a época, fosse pela minha obtusa cegueira (geralmente, eu enxergo apenas as araucárias), o fato é que eu nunca havia percebido nada de especialmente chamativo naquela região. Precisou que alguém mostrasse uma foto para que eu dissesse “agora vejo”. Mas aí eu achei que também precisaria ver mais de perto.
Cheguei até lá pedalando. Todo aquele esplendor rosa me confirmou que se tratava da praça correta. Havia muita gente por lá, e não eram moradores da região, pois estava cheio de carros estacionados ao redor da praça. É gente como eu, que viu uma foto na tela do computador e achou que não faria mal em ver aquilo pessoalmente. A pandemia segue grassando por aí, embora menos, e todos ainda precisam usar máscaras, mas, que diabo, se é para arriscar a vida, que seja fazendo uma coisa bonita, como ir a uma distante praça para ver as cerejeiras em flor.
A princípio, é uma praça como todas as outras. Há bancos, há grama, há um parquinho para as crianças e há uma área de concreto que as pessoas usam para patinar. As pessoas caminham como sempre fizeram em todas as praças e em todos os parques, algumas com carrinhos de bebê, várias guiando cachorros, e muitas crianças andam de bicicleta. Mas logo se nota que há algo diferente ali, porque as pessoas estão o tempo todo parando para tirar foto diante das cerejeiras. Querem provar a todos que ali estiveram e viveram um instante de rara beleza. As fotos serão postadas nas redes sociais e assim o culto da praça irá aumentar, o que provavelmente em breve irá atrair os comerciantes (é até estranho que ainda não estejam ali).
Meninas não resistem e pedem aos pais para levar algumas daquelas flores para casa. Trata-se de um gesto compreensível, e mesmo poético, mas me parece que não seria bem visto no Japão, onde a própria queda natural das flores de cerejeira é celebrada, onde cada flor é a alma reencarnada de um guerreiro morto em batalha. Quisera eu reencarnar também como flor de cerejeira, e então eu não me importaria se uma menina me arrancasse, se me prendesse ao cabelo, se isso a fizesse sorrir, encantada.
Há um busto, há um marco, alguma coisa com um texto, e o texto é o meu fraco, preciso ver do que se trata. Ali está o nome da praça, Tsunessaburo Makiguti, isto é, um japonês, e descubro que foi um filósofo e educador que criou uma sociedade voltada à paz, à educação e à cultura. Parece ter feito boas coisas, o velho Makiguti. Ele morreu mais de 50 anos antes de criarem essa praça, mas penso que se agradaria ao ver o seu nome emprestado a um lugar como esse, em vez de alguma ruidosa avenida.
Dou voltas pela praça, observando as cerejeiras e as pessoas que observam as cerejeiras. Não penso em tirar uma foto. As cerejeiras provavelmente são como a Lua e só saem bem bonitas nas mãos de um bom fotógrafo com um bom equipamento. E, no entanto, não é exato dizer que eu não registro esse momento. É tudo o que faço ao olhar ao redor, ao captar o que acontece, ao sentir o que as pessoas sentem – e, por fim, ao escrever esta crônica.
São tempos difíceis, o noticiário é a cada dia mais desanimador, e tenho também os meus próprios dramas, mas ali, por alguns instantes, senti conforto. Gostaria de dizer, como um Rubem Braga, que fiquei tão feliz que me nasceram uma flor na lapela e uma namorada no braço, mas tive que ir embora antes que isso acontecesse.
Vão ver as cerejeiras, vão ver também as cerejeiras em flor, porque elas duram pouco, como a vida, como a felicidade.