Bianca
Talvez não tivesse gritado alto o suficiente da primeira vez. Talvez não tivesse chutado forte o suficiente – Bianca pensou.
Então ela gritou, exasperada. E ele soltou os seus braços e se afastou. No rosto dele havia um riso, quase cínico, misturado com um prazer embriagado. Mas ela só sentia pavor, e uma indisfarçável ânsia de vômito. Ele virou de costas e começou a se vestir novamente. Talvez ele não a visse como um ser humano... talvez ela fosse apenas um depósito pra frustrações e outras coisas. De qualquer forma, ela precisava por um fim àquilo tudo... agora que ela sabia.
agora que ela sabia o seu lugar.
Depois de vestido, ele se virou e ainda pressionou o corpo contra o dela e a parede e tentou começar tudo de novo. Mas Bianca virou o rosto de lado e desta vez foi o suficiente. Apesar de não ter sido em outros momentos.
Ele se afastou e desapareceu finalmente. Bianca fechou as cortinas e trancou a porta, e deixou os soluços escaparem. Ela tinha se acostumado com aquilo, desde que o tinha conhecido.
Ela estava bêbada, desconfortável, enjoada. Largada sobre um sofá, na casa de uma amiga. Ele simplesmente se sentou do seu lado e sorriu... um tipo de sorriso que não era comum.
Ela não lembrava exatamente como tudo tinha começado. Mas pensou em outro do começo ao fim... no outro que tinha deixado pra trás. E talvez fosse por sentir que o romance estava morto dentro de si, que ela calou os seus gritos... talvez não fosse tão ruim quanto parecia... Ela só precisava fechar os olhos e esperar o tempo correr.
O amor tinha morrido. Ela tinha matado. Com dolo premeditado.
talvez aquele fosse o seu karma a colher.
Quando abriu os olhos, ele estava fumando um cigarro e a olhava, intoxicado, como um artista que havia acabado de terminar uma obra de arte.
Talvez, em outra situação ela tivesse gostado daquele olhar. Mas naquele momento ela só sentia repulsa e culpa. Mas nem a culpa nem a repulsa foram suficientes pra que ela pudesse dizer não quando ele a procurou de novo... e de novo... pelo menos até aquela noite.
O amor estava morto... violado
vencido... fora da validade,
podre, como os lençóis imaculadamente brancos
das camas de motéis onde havia se deitado.
Mas agora ela estava só. E sóbria demais pra suportar o resto da noite.
Bianca, então, foi até a cozinha, abriu a geladeira e se serviu uma dose de vodka.
Bebeu metade e deixou o copo em cima da pia.
Pensou nos pratos sujos e nas roupas por lavar.
Pensou nas contas a pagar e no tesão morto, sobre a cama.
pensou nas cartas que rasgou e nas desculpas que nunca proferiu, pelas traições e mentiras, que tinha engendrado, até se perder...
Até perder um pedaço de si mesma,
que achava que talvez nunca mais pudesse encontrar.