CULTURA...PRA QUE TE QUERO?

Se tem um vocábulo cuja denotação linguística é vasta é a palavra CULTURA.

Pode significar desde o farto produto vingado da terra (inclusive uma bela conotação metafórica de cultura) até às amplas denotações de caráter antropológico como "usos e costumes" arraigados no tempo das diversas civilizações que chegam, passam ou ficam, até o conjunto de conhecimentos adquiridos pessoal e socialmente, inclusive o aparato dos equipamentos artísticos que os difundem e perpetuam através das gerações.

Portanto não existe a frase desrespeitosa "fulano não tem cultura!".

Ora, tal seria humanamente impossível, incompatível com a natureza social do Homem.

Pode haver choque de culturas, inclusive a contracultura, mas jamais a inexistência dela quando a questão é antropológica.

Também é por isso que dizemos que as megalópoles do mundo são vastos polos culturais, dada a diversidade das gentes e dos seus "modi operandi" nas suas várias expressões do "ser cultural" pelo tempo.

E hoje, com a pandemia inclusive, se coloca a importante discussão sobre a atividade essencial da ARTE, como parte intrinsecamente integrante da CULTURA , posto que é imprescindível que os povos expressem , principalmente nos seus momentos difíceis, o diálogo de seus pensamentos , as angústias de suas almas e de suas demais complexas questões existenciais.

E foi depois de ver uma reportagem sobre um jogador de futebol que chamou a atenção da imprensa porque ele adora fazer resenhas de livros , as dos grandes clássicos como os de Kafka e Victor Hugo, e postá-las nas suas redes sociais, que me veio a lembrança dum senhor que conheci como empacotador de supermercado.

Já há algum tempo eu sempre o via ali, firme no seu trabalho, embora com o avançar da idade. Às vezes ofegava para manusear pequenas sacolinhas.

Ele me chamava a atenção ao demonstrar um afinco pelo que fazia, empacotava com "arte" as mercadorias dos clientes, tudo arrumadinho,e vejam, isso também culturalmente já mudou.

Não mais empacotamos compras pelos "Apps", apenas as colocamos sob o silêncio impessoal dos carrinhos virtuais...

Certo dia resolvi conversar com ele.

Eu lhe perguntei sobre o seu trabalho ali e soube que já estava aposentado como trabalhador da construção civil. Tratava-se dum pedreiro de carreira.

Ao lhe colocar sobre minha admiração do seu desempenho ali no caixa, dele eu ouvi assim: "sabe, sempre adorei cinema, o dos grandes filmes da História. Mas os DVDs são muito caros para mim e esse trabalho me ajuda a comprar os que ainda faltam na minha coleção. Fico feliz em ver os filmes...".

Aqui, caro leitor, consigo voltar à sensação de perplexidade que aquele senhor me despertou com sua fala...aliás uma mistura forte de vários sentimentos.

Éramos dois apreciadores do mesmo estilo da arte cinematográfica.

E penso comigo: "quanto eu poderia escrever sobre o figurativo disso no nosso atual TODO CULTURAL".

E vejam, curiosamente nem os DVDs hoje fazem mais parte da cultura corrente...estamos na era digitalizada de tudo.

Hoje os "streamings" lideram o mercado áudio- visual.

Cultura...pra que te quero?

Saindo dali para a minha crônica de hoje tenho a sensação exata do quanto um pouco mais de atenção CULTURAL inserida nos nossos "usos e costumes" de consumo de cultura "básica" poderia nos fazer ascender no nosso IDH (índice de desenvolvimento humano) tão prejudicado atualmente. Está assustador o déficit cultural daquilo que nos faz despertar para ler o mundo.

Talvez nos falte a conotação cultural da importância plural da cultura no destino das vidas das pessoas. Talvez venha dela a força para se quebrar as tantas algemas ecléticas...e amordaçadas.

Portanto, a expressão daquele senhor era um grito como tantos outros que não ouvimos.

Ainda que sejam eles ecoados no silêncio dum desejo guardado a sete chaves...a espera dum milagre de final feliz na tela da vida.

O de como se sair duma singular inexistência.