UMA CAMINHONEIRA EM BUSCA DO PAI
Desde criança percebi a falta de carinho de um pai. Logo quando aprendi a falar, perguntava para minha mãe por onde andava meu pai e ela afagava meus cabelos e dizia carinhosamente que ele estava viajando, dirigindo enormes caminhões por este mundão afora.
O tempo foi passando e sempre que eu perguntava do meu pai para minha mãe ela dizia que ele ainda não tinha voltado da viagem e eu tristemente ficava pensando: nossa, a viagem que meu pai está fazendo deve ser muito longe, pois, ele nunca chega.
Comecei a cursar o primeiro ano do Ensino Fundamental e tudo corria muito bem, afinal eu era uma ótima aluna e conseguia aprender com muita facilidade e foi quando no dia dos pais resolveram fazer uma homenagem aos nossos pais e lá estava eu querendo saber do meu pai, pois, haveria a necessidade de o mesmo estar presente na festinha da escola.
Foi quando minha mãe disse para eu esperar mais um pouquinho e naquele dia um tio iria representar o meu pai na festinha. Fiquei muito triste e insistia em querer saber por onde andava meu pai.
O tempo foi passando e nada do meu pai aparecer e eu já estava quase conformada com a ausência do meu pai caminhoneiro que nunca voltava e assim a vida ia seguindo e quantas vezes deixei rolar algumas lágrimas em querer conhecer meu pai “sumido”.
Quando existia uma reunião em nossa família e descontraidamente meu padrinho Manoel perguntava o que eu queria ser quando crescesse, meus olhos brilhavam e aquela vontade enorme de conhecer meu pai caminhoneiro dava a resposta. Quero ser uma caminhoneira igual meu pai, dirigir um enorme caminhão por estas estradas do nosso querido Brasil e tentar encontrar meu pai em alguma parada de caminhoneiros.
Meu tio Manoel ria, afagava meus cabelos e dizia:
— Ah! Querida, vida de caminhoneiro é difícil! Mesmo assim você quer ser caminhoneira? eu respondia sem nenhuma dúvida:
— Quero sim padrinho, diz para mim como é a vida de um caminhoneiro.
— Eu nunca fui caminhoneiro, quem era caminhoneiro era seu pai José, ele sabia muito sobre esta profissão.
— Mas eu nem conheci meu pai até agora, mas irei encontrar quando estiver na estrada e ainda vou perguntar para todos os caminhoneiros onde está meu pai José.
Os olhos do meu padrinho lacrimejava e ele falava: vai sim querida, torço muito para você ser uma excelente caminhoneira e dirigir tão bem como seu pai José dirige e com certeza você o encontrará em algum lugar deste nosso querido país.
O tempo foi passando e quando fiz dezoito anos fui me matricular em uma autoescola no bairro da Penha, em São Paulo para poder adquirir minha carta de motorista e poder dirigir um caminhão. Foi então que eu soube que para dirigir um caminhão existia a necessidade de adquirir uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação) categoria E.
Disse ao instrutor de autoescola que queria dirigir carretas e contei detalhadamente o porquê daquele sonho e o instrutor prontificou-se a ajudar-me a habilitar-me para dirigir um caminhão.
Antes, bem antes de matricular-me na escola já sabia dirigir carros pequenos graças ao meu tio Manoel que me ensinou e quando entrei na autoescola foi somente para fazer a prova escrita e a prova prática e após alguns meses eu já estava com minha carta de motorista na mão e pronta para começar a trilhar meu sonho.
Comecei dirigindo carros pequenos e adquiri um lindo fusca vermelho que comprei de um amigo que morava no Jardim Nordeste e fazia questão de transportar todos da minha família para ganhar experiência pelas ruas da cidade de São Paulo.
Após alguns meses dirigindo com muita atenção e sempre que eu entrava no fusca e colocava a chave na ignição para poder dar a partida no fusca meus olhos brilhavam e eu ficava pensando. Um dia ainda será de um caminhão! E seguia para o destino sempre cheio de alegria e imaginando estar dirigindo um caminhão.
Após alguns meses dirigindo fui novamente a autoescola e fiz novas provas para adquirir a CNH para dirigir uma Van Escolar e assim comecei dirigindo para um amigo uma Van escolar. A responsabilidade era enorme em ver todas aquelas crianças com muita alegria indo para a escola e voltando sob a minha responsabilidade entre as ruas dos bairros da zona Leste da cidade de São Paulo e novamente ficava imaginando eu na estrada com meu possante caminhão.
Quando completei vinte e quatro anos consegui adquirir a CNH que me habilitava a dirigir um caminhão e, naquele momento foi a grande dificuldade: encontrar uma transportadora que admitisse uma mocinha de apenas vinte e quatro anos dirigindo um caminhão.
Foram vários currículos entregues em várias transportadoras e eis que em um determinado dia uma transportadora do bairro da Vila Guilherme em São Paulo me chamou para uma entrevista.
Naquela noite não consegui dormir tamanha era a minha ansiedade em poder dirigir um caminhão, afinal já tinha dirigido alguns caminhões, mas não dirigindo em estradas.
Fui recebido pelo chefe de transportes e após uma longa entrevista e eu detalhar o porquê de eu querer ser uma caminhoneira ele ficou muito sensibilizado e resolveu dar-me uma oportunidade.
Comecei dirigindo pela cidade de São Paulo e grande São Paulo fazendo entregas de todo o tipo de mercadorias sempre acompanhado de um ajudante e assim após alguns meses o chefe de transportes me chamou na sala dele e disse: tenho boas referências nestes meses em que você está trabalhando conosco e sendo observada por nossos motoristas e tenho uma nova rota para você.
E foi quando o chefe de transportes propôs eu fazer a rota São Paulo-Belo Horizonte e perguntou se eu aceitava e eu imediatamente disse que sim e assim foi marcada a minha primeira viagem como caminhoneira pela Rodovia Fernão Dias até a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Bem cedinho eu já estava na transportadora ao lado de um mecânico que passou várias informações de como proceder caso algo acontecesse com o caminhão e ainda recebi várias orientações de um experiente caminhoneiro que tanto conhecia este trajeto.
Quando subi na boleia pela primeira vez para dar a partida no lindo caminhão ergui as mãos para o céu e agradeci a Deus entre algumas lágrimas que rolavam pelo meu rosto.
Cristóvão era o nome do motorista que ia me acompanhar na minha primeira viagem e assim saímos de São Paulo com destino a Belo Horizonte na manhã seguinte o motorista acompanhante dava as coordenadas das ruas por onde eu deveria passar até eu entrar na Rodovia Fernão Dias e seguir sempre em frente.
Cristóvão ia me orientando onde deveríamos parar para se alimentar e após três paradas em postos de gasolina e lanchonetes da rodovia Fernão Dias estávamos na querida Belo Horizonte.
Foram nove horas de estrada e eu estava muito feliz e quando chegamos na transportadora da capital de Minas e eu saí da boleia todos os motoristas da transportadora ficaram surpresos com a minha presença e com a minha juventude.
O tempo foi passando e as viagens foram acontecendo e foi quando conheci Paulo, um caminhoneiro um pouco mais velho do que eu e começamos a namorar. Eu continuava a fazer a viagem para Belo Horizonte e Paulo fazia a viagem de São Paulo para Salvador e quando nos encontrávamos nós namorávamos um pouco.
Depois de alguns meses namorando o Paulo ele sugeriu se poderíamos casar e eu imediatamente disse que não e disse que só aceitaria o casamento se ele fosse solicitar o casamento junto aos meus pais. Paulo sorriu muito e disse: mas Soraia, então não vamos nos casar nunca, pois, você não sabe onde está seu pai! Gargalhei muito e disse: Pois vamos procurar meu pai por este mundão afora e assim adiamos um pouco mais nosso casamento.
Após dois anos de namoro resolvemos casar e levei Paulo para conhecer minha família e solicitamos junto a empresa, férias conjunta, eu e o Paulo para realizarmos o nosso casamento. Convidamos todos os caminhoneiros e o proprietário da transportadora que nos presenteou com uma viagem após o casamento e assim aconteceu o nosso casamento que foi muito lindo.
O Paulo estava me esperando na igreja para casarmos e após longos minutos de espera, uma enorme carreta estacionou na frente da igreja e desci da boleia com muito cuidado para não danificar meu lindo vestido de noiva. Naquele exato momento em que eu estava entrando na igreja novamente senti a falta do meu pai José para entrar comigo na igreja, algumas lágrimas surgiram, sorri e entrei na igreja com muita alegria.
Paulo não se conteve e deixou as lágrimas invadirem o seu rosto. O casamento foi realizado sob os olhares de velhos e conhecidos caminhoneiros e das nossas famílias e após o casamento quando saímos da igreja fomos abraçados pelos nossos amigos caminhoneiros e nossos parentes entre alguns estampidos de fogos de artifício e o som de várias buzinas dos caminhões que estavam estacionados em frente e ao redor da igreja.
A festa foi totalmente patrocinada pelo proprietário da transportadora e assim que terminou a festa fomos descansar para no outro dia iniciar nossa viagem para Salvador, Bahia em lua de mel.
A rota São Paulo Salvador Paulo conhecia muito bem, afinal aquela era a sua rota e assim fomos nos revezando ao volante e paramos várias vezes ao longo das estradas.
Os filhos nasceram e ficavam com minha mãe quando estávamos viajando e foi quando um dia Paulo voltou de viagem e eu estava em casa com as crianças e corri para abraça-lo e disse:
Paulo, tenho uma ótima novidade: conheci uma mulher que pode nos ajudar a encontrar meu pai José! Paulo ficou super feliz e decidimos ir até o endereço citado pela mulher para tentar localizar meu pai.
Chegamos no local indicado, paramos o caminhão na estreita rua e batemos palmas e gritei o nome do meu Pai. Apareceu um senhor chamado Domingos e perguntou o que queríamos com o José. Expliquei que eu estava procurando meu pai e após algumas informações o Domingos me deu a triste notícia que meu pai tinha falecido e disse que tinha casado com outra mulher e gerado vários filhos e perguntou se eu gostaria de conhecê-los e eu imediatamente disse que sim.
Marcamos um encontro com os filhos do meu pai com a sua esposa e conseguimos reunir toda a família e consegui ganhar mais uma família linda. Parei de dirigir caminhão e o Paulo ainda continua na estrada até hoje.
Todo o meu esforço em encontrar meu pai não foi em vão, afinal encontrei o meu querido esposo Paulo e hoje temos três filhos lindos.