COMPOSITOR ALDO CABRAL (CRÔNICA REESCRITA)

DESPEDIDA DE ALDO CABRAL

Vi Aldo Cabral, amigo de meu saudoso pai, Nestor Tangerini, pela última vez, andando com muita dificuldade pela Rua Arquias Cordeiro, já perto da esquina com a Rua Martins Lage, onde morava, no Engenho Novo, subúrbio do Rio de Janeiro

Eu ia de ônibus, em alta velocidade, para o meu pós-graduação em Linguística, na UFRJ, Ilha do Fundão, e não podia imaginar que ele havia acabado de sofrer um atropelamento grave e que estava ensanguentado.

Pensei em saltar do ônibus e ajudá-lo, mas, conhecendo bem Cabral, duvido que ele admitisse a minha ajuda. Era um homem forte, turrão, de não entregar os pontos. Mas, pensando melhor, agora, vejo que incorri neste erro: de não ter descido do ônibus para ajudar o amigo.

Só recentemente, vim a saber, por Regina, sua caçula, o que havia realmente acontecido com o compositor naquele momento, motivo pelo qual andava com muita dificuldade.

Não demoraria muito, e ele viria a falecer, em 5 de julho de 1994.

Ver Cabral naquela situação causou-me uma profunda tristeza. E foi justamente naquele momento que me lembrei de uma época de ouro da MPB, de seu trabalho intelectual na SBAT, União Brasileira de Autores Teatrais, ou na UBC, União Brasileira de Compositores, do Teatro de Revista e das tardes de sábado – ou domingo –, quando aparecia em minha casa com os três filhos: Rita, Aldinho e Regina.

Meu pai e ele passavam horas e horas conversando na varanda ou na sala sobre o mundo da música ou do teatro e sobre a política e a vida pessoal.

Enquanto isto, seus filhos e eu brincávamos no quintal de nossa casa, em Piedade, colhendo amoras e goiabas no pé.

Antonio Guimarães Cabral, mais conhecido como Aldo Cabral, é um grande nome da Música Popular Brasileira e foi parceiro de Benedito Lacerda, Ataulfo Alves, Cícero Nunes, Herivelto Martins, Nestor Tangerini, Castor Vargas, entre outros.

Deixou gravadas belíssimas e primorosas canções e é lamentável que hoje esteja esquecido.

Uma de suas músicas, Mensagem, de parceria com Cícero Nunes, gravada por Isaurinha Garcia, ainda faz sucesso entre nós.

Não faz muito tempo, esta canção, que já foi propaganda da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, ECT, foi regravada por Maria Bethânia, que pôs o português Fernando Pessoa no samba. Bethânia, grande cantora e declamadora, abre Mensagem ao meio e introduz, na canção, o poema Cartas de amor, do poeta lisboeta.

Muitas outras canções de Aldo Cabral ficaram para sempre na História de nossa música, como Despedida de Mangueira, Santos Dumont, Dois Amigos, Amigo Leal, Amigo Infiel, Boneca, Bom-dia, Pra fazer você chorar (na voz de Carmem Miranda), entre tantas outras.

Seria impossível, numa crônica, falar de todo o talento de Aldo Cabral.

Era tão perfeccionista – gostava da linguagem culta -, que puxava a orelha de quem mudasse ou cantasse errado aquilo que havia escrito.

Regina Cabral, profissional da área de Turismo, filha mais nova de Aldo e da bela morena Fleury, contou-me que, certa vez, estava trabalhando num hotel de Lisboa, quando, pela primeira vez, ouviu a versão de Bethânia para "Mensagem".

Regina deixou o serviço de lado para dar especial atenção à canção. E começou a chorar.

Uma funcionária do hotel, portuguesa, aproximou-se dela e perguntou-lhe por que estava a chorar. No que Regina respondeu:

- Esta música é do meu pai.

É interessante como, em fração de segundos, uma pessoa viaja mentalmente de Lisboa e revive seus bons momentos ao lado dos pais, no Engenho Novo.

Eis a letra da referida canção:

"MENSAGEM

Quando o carteiro chegou,

E o meu nome gritou,

Com uma carta na mão.

Ante surpresa tão rude,

Nem sei como pude

Chegar ao portão.

Vendo o envelope bonito,

E no subscrito eu reconheci,

A mesma caligrafia, que um dia me disse:

Estou farto de ti.

Porém não tive coragem

De abrir a mensagem

Porque na incerteza, eu meditava e dizia,

Será de alegria ?

Será de tristeza ?

Tanta verdade risonha

Ou mentira tristonha, uma carta nos traz

Assim pensando rasguei, sua carta

E queimei, para não sofrer mais".

Há muito gostaria de oferecer a Aldo Cabral esta singela homenagem, em forma de crônica. Logo após a morte de meu pai, em 30 de janeiro de 1966, o amigo - que se tornou meu amigo, também - escreveu um belíssimo necrológico para o Boletim da UBC. Modesto e discreto como era, não o assinou. Soube, depois, que ele era o autor do texto.

Aldo Cabral, que não gostava de ser fotografado, entrevistado ou reconhecido na rua, merecia uma homenagem em cd. O momento é oportuno. Ou teremos de aturar esta mídia que quer nos emburrecer e torturar com músicas idiotas?

...

Esta crônica foi reescrita pelo autor.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 08/07/2021
Reeditado em 08/07/2021
Código do texto: T7294995
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