Balões de esperança

Balões de esperança

autor: Andreia Caires

Joana ainda se via refém da mesma narrativa e do perigo eminente. Confinada à meses em seu apartamento, ela tinha por trilha sonora uma música da Adriana Calcanhoto ( esquadros )

"Eu vejo tudo em quadrado " E Joana via mesmo, não só ela mas a maioria das pessoas experimentavam um mundo novo, qual não estavam acostumados.

"Da janela do carro, pela tela, pela janela ...eu vejo tudo em quadrado" dizia a música.

A escritora só não sabia até quando ficaria confinada naquela espécie de "cápsula protetora".

Mesmo ela, acostumada a solidão, envolta de livros trancada em seu escritório, sentia falta de sair e sentar na praça ou ir ao café do centro da cidade e pedir seu bolo inglês preferido. Ela aprendera cedo a buscar histórias nós rostos das pessoas. Gostava de observar o vai e vem frenético delas e assim, poder ter inspiração para suas crônicas ou poesias. Arrepiava-se e entristecia-se quando pensava que não teria mais aquilo por um bom tempo.

Sem notícias concretas sobre uma possível vacina, a única certeza que tinha era de uma eterna briga política em seu país. Direita e esquerda se engalfinhando. Uns amando e outros odiando o presidente da República, o "criador do vírus mundial".

Para não ser taxada de "Bolsominium" e correr o risco de alguma retalhação quando saísse às ruas, Joana preferia preencher seu tempo cuidando das suas suculentas e de seus gatos.

O delivery havia chegado! Joana desceu o elevador como se aquilo fosse uma gostosa aventura. Com cuidado evitava tocar os botões e munida de um pequeno frasco de álcool em gel recebeu as esfihas como se aquilo fosse um prêmio. Conseguir "ir e vir" ainda que num pequeno espaço de tempo era uma vitória!

Subiu com seu jantar daquela noite solitária e incerta.

Depois, alguns telefonemas para a família, ( era necessário checar se todos estavam bem ) e, para uma amiga que aos prantos no dia anterior confessara a ela que estava com suspeita da doença.

Agradeceu aos céus por existir internet. O que seria do mundo? Das famílias numa hora dessas?

"Ah, eu só queria que essa pandemia acabasse"- desabafou sozinha.

Pensou apanhar um livro na estante para reler, mas acabou adormecendo abraçada ao celular e com os restos de esfiha servindo de banquete para os gatos.

_Que lugar diferente, organizado e limpo.

Ao se deparar com balões, Joana pensava estar na Turquia com tão bela paisagem.

_Devo estar na Capadócia! Que céu espetacular! Sonhei a minha vida inteira com isso e agora estou aqui. Mas... Como vim parar aqui?

_Vocês já passaram por tantas pragas...

_Quem falou isso? - ela procurou em volta até avistar um senhor de cabelos muito brancos e estatura baixíssima se aproximar dela. Saído como que nos filmes de fantasia, o velho vestia uma túnica enorme e muito colorida com as laterais bordadas de pedraria.

A escritora ameaçou rir da figura engraçada que mais lembrava os magos dos desenhos que assistia na infância.

_Antes que me pergunte, sou apenas alguém que guia as pessoas e as ajuda lembrar de que o que estão vivendo não é a primeira praga.

_De fato. - Joana assentiu. Mas me diga, que lugar é este, meu senhor? Será que eu não delirando de tanto que escrevo?

_O lugar dos vencedores! Daqueles que, apesar das lutas não se deixam abater. O lugar dos esperançosos.

_Esperança... responda-me senhor, já que me parece tão sábio, ainda existe esperança para um mundo tão desigual, desumano e competitivo?

_A esperança nunca morre!

_Então, o que acontece com a minha que, ultimamente me sinto tão descrente no ser humano? Pois parece que a perdi.

_Não. Você não perdeu a esperança. Você está triste, apenas e com isso a sua esperança adormeceu. Reponha suas forças, espalhe esperança para as pessoas, seja nos seus escritos ou com um simples "como vai você". Diga ao mundo que tudo isso irá passar. - o velho homenzinho sorria, enquanto ela pensava que tudo o que ele falara fazia sentido. As pessoas não estavam acostumadas a uma vida programada e controlada, agora infelizmente são forçadas a isso. Mas nada seria em vão, tinha um propósito e o mundo, assim como ela mesma precisava resgatar a essência perdida: O amor.

O amor havia se esfriado com tanta correria, com tantos afazeres, com tantas coisas a conquistar que o simples foi ficando de lado. Amigos, família, Bom dia e abraços que já eram raro antes ficaram evidentes agora.

Joana olhou para o céu novamente. Observou a calmaria daqueles balões. Uns voando alto e outros baixo mas, cada um respeitando o espaço e limite do outro. As pessoas acenavam contentes para ela. Cada um tinha um nome: Amor, Bondade, Paz, Mansidão, Gratidão, Alegria, Equilíbrio...e era o que ela sentia naquele momento. Uma enorme paz e gratidão por todas as coisas que havia conquistado em sua vida. Sentiu que, apesar de poucas eram muitas e tinham um valor incalculável. Não valia a pena jogar tudo fora com pensamentos pesados e pequenos. Desejou voar num daqueles balões que coloria o rosado d céu naquela temperatura agradável mas ainda não era a sua hora. Observou as pessoas felizes, as crianças na vasta grama verde correndo atrás dos balões...

_Se isto aqui não é o Paraíso, não sei mais o que é!

Quando buscou o rosto do pequeno senhor de túnica, ele já havia ido. Ela não se espantou com isso, pois era assim mesmo o que esses magos faziam nos filmes.

Mago ou anjo? Também não sabia, mas o que ela tinha certeza é que sua esperança estava viva. Não mais adormecida e, ao invés dela ficar repetindo o tempo todo:"Queria que essa pandemia acabasse logo" teve uma nova percepção sobre o que estava acontecendo no mundo.

E foi assim que ela acordou daquele sonho. Decidida que era hora de mudar seu comportamento com ela e com tudo a sua volta.

Ela buscou rapidamente lavar o rosto, inundado por lágrimas que não sabia ser de tristeza ou de alegria.

Demorou para reparar no estrago que os gatos fizeram com a caixa de esfirras.

Uma coisa ela aprendera com aquele sonho tão importante: Não viveria mais como a "clautrofóbica do confinamento". Compartilharia sua experiência com as pessoas, iria fazê-las enxergar o lado bom de tudo o que estava acontecendo.

Foi aí que decidiu inundar as redes sociais dos seus amigos com mensagens positivas, com balões cheios de mensagens, assim como os que viu em seu sonho.

Sua amiga que estava suspeita da doença ligara logo em seguida, agradecendo as palavras de conforto e dizendo que seu teste havia dado negativo. E, mesmo que desse positivo ela se apegaria aquelas mensagens bonitas e tinha certeza que ficaria bem.

Joana, a escritora se sentiu útil e feliz por fazer a diferença na vida das pessoas, mesmo de longe. Ela entendeu que tinha as palavras, as letras todos os dias com ela, mas não estava as exercendo como deveria.

Era a vida que começava novamente, com anúncio de vacina se aproximando e as pessoas timidamente já começavam a comemorar. Comemoravam a esperança.

Andreia Caires
Enviado por Andreia Caires em 07/07/2021
Reeditado em 18/10/2021
Código do texto: T7294735
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