Histórias únicas

Numa palestra proferida em 2009, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie se disse uma contadora de histórias. O assunto da palestra era o perigo da história única. Pode ser assistida na internet com legendas em português.

A integra da palestra foi transformada num livro com o mesmo título. Depois de ler o livro, não resisti em assistir o vídeo da palestra. Conhecer a autora daquelas palavras. O link está no final do livro.

Chimamanda começa demonstrando o que é uma constatação. O quanto somos impressionais e vulneráveis diante das histórias únicas que ouvimos ou lemos principalmente durante a nossa infância. Chimamanda cita ela mesma como exemplo.

Ainda criança morando na Nigéria, Chimamanda começou a ler livros infantis americanos e britânicos. Ela diz que se tornou uma escritora “lá pelos sete anos de idade”. Antes de descobrir a literatura africana, todos os personagens dos seus enredos eram brancos e tinham olhos azuis. Chimamanda diz que foi salva por essa descoberta da história única do que são os livros.

Aos dezenove anos Chimamanda deixou a Nigéria para fazer faculdade nos Estados Unidos. Então vamos conhecer um pouco da história única enraizada na sua colega de quarto. Que perguntou onde Chimamanda aprendeu falar inglês sem saber que a língua oficial da Nigéria é o inglês. Perguntou sobre “música tribal”, e decepcionou-se quando viu uma fita cassete da Mariah Carey. Podemos imaginar a história única que a colega de quarto tinha ouvido sobre África que muitos ainda imaginam ser um país.

Podemos expandir a “história única” para outras frentes. Da época dos grandes navegantes e dos descobrimentos, só chegou até nós uma história única. A história dos que habitavam essas terras nunca foi possível contar. Mesmo que fosse, não haveria nenhum interesse em sabê-la.

As convenções criadas pelas sociedades são todas baseadas em histórias únicas impostas muitas vezes por lavagens cerebrais. Desta maneira, é fácil impedir que histórias diferentes sejam contadas. Ficamos tão impressionais e vulneráveis que o diferente nos causa mais que decepção. Causa-nos repugnância acedendo a chama da descriminação e do ódio.

Temos as histórias únicas lidas nos livros das crenças. Para camuflar nossa fragilidade humana, nos elevamos à condição de seres divinos. Há um inferno para os pecadores. Os arrependidos subirão ao céu.

Impossível terminar sem Chimamanda que também termina assim: “Quando rejeitamos a história única, quando percebemos que não existe uma história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso”. Eu acrescentaria além de lugar nenhum, também sobre coisa nenhuma.