REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO INFANTIL

Fui marcado numa publicação, no facebook que trazia a imagem de uma criança numa banca improvisada para vendas de alimentos, acompanhada do seguinte texto: “Que exemplo de garoto!!!! Esse é o ... (ocultei o nome da criança), que por vontade própria ajuda em casa vendendo potes salgados... Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho, não se desviará dele Provérbios 22:6”

Pois é. Eu também fui uma criança que começou trabalhar muito cedo. Com 12 anos já trabalhava em pequenos serviços (vendendo pirulitos ou xup-xup nas ruas do Alfredo Freire, bairro onde eu cresci e do qual tenho muito orgulho). Com 13, em 1986. já tinha minha Carteira de Trabalho assinada numa indústria de calçados.

Por isso, desde meus 12 anos, estudei no período noturno (até as 23h). Era muito difícil. Por acordar 5h30min da manhã para ir trabalhar, não raramente, eu dormia em aula. Tenho certeza que esses fatos até aqui narrados resultaram na dificuldades que eu enfrentei em diversas disciplinas (não apenas em exatas, mas em humanas, sociais e biológicas.

Além das dificuldades enfrentadas na absorção do conhecimento escolar, acredito que, por ter minha infância abruptamente interrompida pelo trabalho infantil, para virar mão de obra barata para o capital, me transformei num adulto extremamente tímido e, por conseguinte, calado e, em um grande período da minha vida, um adulto triste (tristeza que se foi apenas depois de encontrar Rita, minha amada esposa, a luz da minha vida).

E eu não trabalhava porque eu gostava de trabalhar ou porque meus pais achavam bonito. Trabalhávamos naquela época (eu, e todos da minha geração) porque a renda salarial dos meus pais (como da maioria do povo pobre na época da minha adolescência) impunha a necessidade de todos trabalharem.

Então, esse tipo de glamorização (fazer a coisa parecer atraente, charmosa. justa, bonita) do trabalho infantil para mim é uma balela e algo que precisa ser discutido, sendo por isso que escrevo esse texto.

Alguém então poderia dizer: "Ah, mais você hoje é advogado, venceu na vida". Poderiam dizer, ainda, que sou exemplo da meritocracia. Para esses eu respondo: Dei sorte na vida. Não tinha a menor chance de concorrer com os filhos dos ricos (que tiveram a oportunidade de se dedicarem plenamente aos estudos e foram cercados dos cuidados dos pais e não do ambiente estressante e insalubre de uma linha de produção industrial), quer no vestibular, quer na faculdade, quer na vida profissional. É obvio que minha irresignação ajudou muito, a mesma irresignação que me faz abjetar (isto é, denunciar como algo baixo, medonho, asqueroso) o trabalho infantil. Mas, não tenho dúvidas, que foi muito por sorte que consegui sobreviver e viver os êxitos que vivo. Tantos outros, a quase totalidade, dos meus colegas e amigos de infância não tiveram a mesma sorte e na vida não conseguiram desenvolver todas suas aptidões, suas capacidades, sendo até hoje mão de obra barata para os que estão por cima.

É por isso que entendo que é necessário destruir esse sistema, falo do capitalismo, que explora ao máximo a classe trabalhadora, inclusive, impondo, não raramente o trabalho infantil às famílias, numa tentativa desesperada, para afastarem-se da miséria e até mesmo da fome. Trabalho esse, juntamente com a fome, que volta com força nessa atual crise econômica que vivemos.

LUGAR DAS CRIANÇAS É NA ESCOLA E CERCADAS DO CARINHO DOS PAIS.

Lutemos por salários dignos para os adultos e contra esse sistema capitalista que nos explora e oprime.

Adriano Espíndola Cavalheiro, Advogado da Classe Trabalhadora.