É Muito Estranho Amar Alguém que Eu Nunca Conheci
Eu até acho perfeitamente possível amar alguém que você nunca conheceu pessoalmente. Eu tenho alguns bons amigos que conheci pela internet e posso dizer que os amo. Mas você eu nunca conheci de jeito nenhum. Só te vi por um ultrassom, e você nem tinha pernas direito. Mas, quando você se foi, eu chorei. Uma vez só, o choro mais doído da minha vida, uma dor física mesmo. Então eu acho que eu te amo sem ter te conhecido.
Eu fiquei de luto quando soube que você havia morrido. Ainda estou de luto. Em casa, com a sua mãe e o seu irmão, eu tento continuar a vida como antes. Mas quando estou lá fora, sozinho no mundo, o luto volta. Eu não quero falar com ninguém. Qualquer sorriso é pesado, como se uma crosta de barro estivesse prendendo meu rosto para impedir qualquer feição. A presença de qualquer pessoa me é estranha. Eu queria ficar completamente sozinho.
Mas o que eu amo quando amo você? Não amo uma voz, porque eu acho que você nem cordas vocais tinha. Nem um cheiro, nem um abraço. Eu nunca te peguei no colo. Nunca ouvi sua risada. Você já tinha um rosto, boca, nariz, orelhas, pálpebras, e uma mãozinha que devia parecer um botãozinho. Mas eu nunca vi nada disso. Também é um amor sem saudades, sem ciúmes, sem possibilidade de retribuição. Por isso é um amor muito, muito estranho.
Me consola pensar que, se eu for para o Céu, depois de encontrar Nosso Senhor Jesus Cristo, eu talvez possa me encontrar com você. Na verdade não me consola não, mas é uma coisa boa de se pensar. Eu rezaria pela sua alma, se eu tivesse certeza que você tem uma alma, e se eu acreditasse que isso pudesse ter algum efeito. Permanece, assim, o luto. E a certeza de que esse é o amor mais estranho que eu já senti.
Suscepisti me de utero matris meæ.