Verdade ou Mentira?
Todo mundo sabe que não há verdade absoluta, cada um acalenta a sua de acordo com as próprias percepções, conceito ético, sentimentos e os defende com unhas e dentes se preciso for, afinal é o seu testemunho, a sua versão. E o motivo é simples: Tudo que não for considerado ilegal dá para se praticar com liberdade, sem censura nenhuma, já que ninguém comanda o cérebro e o comportamento alheio (sabendo-se que leis sempre são infringidas a torto e a direito, claro, em maior ou menor grau e existem mecanismos para restituir a ordem). O maniqueísmo não está com nada mesmo. O que está com tudo é o equilíbrio ao estilo yin-yang chinês (taoísmo), defendendo as forças complementares opostas. Só em contemplar seu símbolo preto e branco redondo e uniforme já transmite uma relativa paz e a certeza de que nada é completamente claro ou escuro. Bastante filosófico realmente. A propósito, não se deve confundir verdadeiro com real, pois ao real não se indaga sua retidão, ele simplesmente é fato, foi lá e pimba, aconteceu.
Mas… Será que, por exemplo, é verdade que a vida antigamente era tão melhor, com melhores costumes, mais calma, as músicas mais melódicas, com menos competição entre as pessoas, menos poluição atmosférica, sonora e visual? Ou será que os tempos de internet, da ciência moderna, tecnologia de ponta e viagens interplanetárias são verdadeiramente melhores? Aí depende muito do que se valoriza mais, creio que nos dois recortes temporais há vantagens e desvantagens que não caberiam aqui. E tem também o fato de que tudo muda tão velozmente que daqui a pouco o que era verdade não é mais, caducou.
De todo modo tem gente demais que escamoteia a pobre da verdade para convencer terceiros…. Por mero prazer ou para conseguir alguma vantagem. Pegam um pedacinho de verdade, distorcem, retiram-na do contexto e voilà! Saiu uma meia-verdade quentinha do forno com direito a uma história rica em detalhes. Sem querer abusar dos anglicismos, “fake news” para ninguém botar defeito. Sequer param para pensar que a mentira esmiuçada é ainda mais fácil de ser desmascarada do que a curtinha, lacônica, a que sai de fininho antes da coisa desandar. A longa tem muito mais contradições para se recair. E que não venham falar da mentira piedosa para não “ferir os sentimentos” do outro. Mentira piedosa é falta de coragem para encarar as consequências de seus atos, não é poupar a outra pessoa, é se poupar. A não ser em raros casos em que a real piedade se faz necessária. Dizem que crianças e loucos nunca mentem, as primeiras porque são inocentes e as segundas porque são desprovidas de filtros sociais sem calcularem consequências do que afirmam. Creio que também há controvérsias quanto à opinião dessas pessoas ser verdadeira ou não.
A verdade é como aquela boneca do poema de Olavo Bilac, “A Boneca”, em que duas meninas digladiam-se pela posse do brinquedo e ambas ficam sem a boneca, pois puxaram-na tanto que estragou, rasgou-se ao meio. Quem das duas estava com a verdade? Os parâmetros podem ser bem fluidos quando se trata da verdade e da mentira. Não dá para esticar a verdade demais, ela não aguenta, arrebenta e essa é uma metáfora bem realista. Daí não se sabe quem era o dono da verdade, ou da razão. Talvez ninguém. Acho bem mais provável que a verdade esteja com quem faz a paz, que encerra uma discussão inútil fazendo de conta que perdeu para cessar o desgaste. Perdeu para ganhar. Não a toda hora, mas para economizar estresse algumas vezes. Diplomatas são treinados para serem mestres em apaziguar conflitos entre nações, não perdem o controle da situação nem da emoção, e se perderem não serão bons diplomatas.
A justiça sempre deseja saber quem está do lado da verdade a fim de restabelecer a paz e dirimir o conflito. Porém, como está de olhos vendados, (a bem da imparcialidade) a justiça precisa pesar todos os argumentos e provas em sua balança para decidir. Testemunhas podem mentir ou mesmo enganarem-se, os envolvidos também mentem, portanto não é tarefa simples julgar, é complexo. Esse jogo entre a verdade e a mentira é perigoso e cruel. A mentira é capaz de seduzir feito um canto de sereia e o seduzido acreditar que a mentira era sincera tal qual a música do genial músico Cazuza.
Mas há quem repita tantas vezes mentiras e meias-verdades para si próprios na esperança de torná-las suficientemente firmes que aparentarão ser críveis aos olhos de todos. Constróem castelos de cartas que se sustentam algum tempo, mas, como não possuem alicerce, desmoronam com facilidade ao menor vento virando uma pilha confusa e inanimada. Acho que a pior falsidade é essa, a tentativa de ser quem não se é, o batedor da própria carteira, estelionatário de sua vida que vai se prejudicar em alguma curva da estrada. Santo ninguém é neste mundo, e como diz a expressão americana, em todo armário há esqueletos guardados, mas o melhor mesmo é ser o mais sincero possível com o ônus e o bônus que isso traz, dá menos trabalho e possibilita deitar a cabeça no travesseiro à noite com mais leveza além de poder encarar o espelho numa boa.