Fuga
Quando menos espero levito, largo tudo o que me prende e dou comigo bem alto. Depois, também sem esperar, chegam os compromissos, a realidade agreste, as questões para resolver, o café já frio, os gritos de quem exige que volte e fique, que converse o trivial, que olhe para o que há, de verdade, para olhar. É o peso do real que me puxa para baixo e não tenho como fugir agora. Volto, portanto, a contragosto e enfrento razões, críticas, hostilidade. E, se for muito agressivo o regresso, dou comigo a prometer que não torno fazendo figas para depois, na saída seguinte, poder ir sem remorsos. Vou. Mal me descuide do que faço, saio daqui sem sair, sigo caminhos estranhos, novidades, outras vidas. É bom ser árvore, ser rio, ser ave. É bom, quando durmo, ser pedra! A maior parte do tempo trabalho por aqui, a maior parte do dia pareço-me com toda a gente. Quem me ama sabe, no entanto, que sou de lá, da terra que daqui só se vê imaginando.