RAUL SEIXAS
CHAMANDO O RAUL
Nelson Marzullo Tangerini
Em meio a tantos idiotas, na atual conjuntura, uma frase de Raul Seixas, como uma brisa mágica e amiga, ilumina a minha mente: “Eu preferia ser burro, só assim eu era feliz”.
Mas o Maluco Beleza não viu tudo: não imaginava que os idiotas, transbordando felicidade, fossem proliferar de tal maneira, como erva daninha. Sim, a imbecilidade é uma forma de felicidade.
Os fascistas que chegaram ao poder têm orgulho de sua imbecilidade. Ao mesmo tempo, alimentam o ódio que hoje, em motociatas, sai às ruas, para idolatrar o novo representante do autoritarismo. Odeiam aqueles que pensam e têm qi maior do que o deles.
O trabalho, agora, do gabinete do ódio, é esvaziar bibliotecas, desmoralizar a ciência, a cultura e a educação. Paralelo a isto, tratam ambientalistas como terroristas, enquanto abrem as portas para as queimadas, o desmatamento e o garimpo ilegal – em áreas anteriormente preservadas e terras indígenas.
Mas “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Houve um tempo em que circulava entre nós a tese de que um novo mundo era possível. Caminhávamos nessa direção, ingênuos, quando os salteadores surgiram em nossa estrada, como bárbaros ou vândalos, para nos atacar e destruir tudo o que construímos.
Voltando aos livros expulsos das bibliotecas. Vemos, nós que pensamos, de forma libertária, e amamos a humanidade, que a corrida armamentista do atual mandatário do cercadinho “dispara”, enquanto os alimentos para os cérebros correm o risco de se transformarem em cinzas na fogueira da nova inquisição que se aproxima.
Certa vez, numa livraria de Niterói, uma senhora, já muito idosa, me apresentou a sua tese para os dois Brasis: os cérebros pensantes deviam requisitar terras e criar uma nova nação dentro do Brasil. Essa ilha, cercada de idiotas por todos os lados, geraria os novos homens que transformariam o mundo.
De minha parte, acho que devemos conviver com os idiotas, no mesmo país e no mesmo planeta, nutrindo a nobre a esperança de que conseguiremos torná-los sábios e humanos. Antes de ser poeta, sou um professor de esperança. Mas, juro, fiquei, durante algum tempo, pensando nas palavras daquela senhora e seu conceito helênico de civilização.
Mas há momentos em que penso em chamar o Raul, “double sent”, depois de ouvir o eco de tanta imbecilidade que espalha pelo Brasil. Chamei o Raul, não no sentido figurado da palavra. Clamei por sua voz , sua música, sábia e iluminada, aprisionada em cds e em vídeos na internet. Ela ecoa por toda a casa. Dela sai o nutriente que me alimenta de esperança - ou de desesperança. Suas canções ecoam por toda a casa, atravessam portas e janelas, rumo a outros ouvidos crentes na libertação total da humanidade.
Raul foi chamado, erradamente, um dia, pelos imbecis, de “Profeta do apocalipse”. Mas ele avisou: que estes só entenderiam o que ele falou no esperado dia do eclipse.
Esta crônica, escrita a partir de músicas do baiano, é dedicada a todos os raulseixistas, que viajaram no sonho de uma sociedade e mais justa. Recebam-na Verônica Marzullo de Brito, Nelson Maia Schocair e Nelson da Fonseca Schocair - este último, liberto deste “mundo louco, mundo estranho, mundo cheio de visões”.