Conflito de gerações
Publicado no jornal Diário Popular - edição de 26 e 27 de junho de 2021 (pág. 05) - Pelotas/RS
Encontraram-se por acaso na cafeteria mais aconchegante do centro da cidade, em alguma terça-feira chuvosa anterior à pandemia - Alice, sua tia e a prima mais nova. Cada uma entrara ali apenas em busca de um lanche para levar para casa. Mas, por insistência de minha amiga Alice, sentaram-se no fim de um dia que pedia um pouco mais de tempo dentro de um ambiente como aquele, impregnado com o aroma fumegante do café e enfeitado pelas multicores dos doces de Pelotas na prateleira envidraçada.
Se minha amiga não tivesse me contado que elas tinham muito em comum, além de serem parentes, eu teria olhado aquelas três juntas e imaginado um papo sem assunto, dado o conflito de gerações. Tal confronto está no ar porque recentemente as diferenças entre as gerações ganharam espaço na internet, com os adolescentes de hoje zoando os gostos e hábitos de um grupo que, enfim, está percebendo já não ser mais tão jovenzinho - no qual se inclui esta que escreve...
Se fôssemos categorizar o trio na cafeteria, a tia representaria a geração dos “baby boomers”, aqueles com mais de 58 anos, que no geral buscaram estabilidade amorosa e financeira na vida (e tiveram uma infância sem televisão colorida). Alice faria parte da geração Y, os “millennials”, nascidos entre 1981 e 1995, que cresceram na “virada do milênio”: vivenciaram os primeiros passos da popularização da internet. Já a prima de 17 anos seria da geração Z, os que nasceram entre 1996 e 2010 e são “nativos digitais”: desconhecem um cotidiano sem tecnologia.
A tia pediu um chá, Alice preferiu se entregar ao cheiro predominante do café, e a prima não quis beber nada... Contou que estava enojada, pois acabara de escutar “assobios” indesejados no caminho até ali. Alice disse que já tinha passado por aquilo algumas vezes na vida. A tia delas também.
Entre mulheres, ainda há vivências parecidas entre diferentes gerações. Mesmo após conquistas - o estudo, o voto, o divórcio -, ainda há muito o que mudar na sociedade patriarcal a que todas estamos submetidas e nas relações homem x mulher. Eu e Alice somos da geração que se beneficiou de lutas anteriores de movimentos feministas e encontrou um mundo com facilidades e direitos os quais é até difícil acreditar terem sido obtidos há tão pouco tempo.
Embora todos sejamos atingidos por valores marcantes de nosso “zeitgeist” - do alemão, “espírito do tempo” -, temos nossa individualidade e podemos misturar características das diferentes gerações. Pode ser proveitoso olhar para comportamentos de pessoas com idades e experiências diversas e nos perguntarmos quais valores poderiam caber em nossas vidas.
Trintões, deixemos o ressentimento de lado, mesmo agora que nos sentimos mais velhos depois de termos sido zombados por nossos gostos “antiquados”. Geração Z, caçoem com moderação. Daqui a pouco, serão vocês o meme da vez.
Seja ouvindo Rod Stewart, revendo a série Friends ou gravando um vídeo para o TikTok, todos estaremos juntos na reconstrução deste país desgovernado e devastado pelos impactos da pandemia.