Solitárias rugas
Chorou. Copiosamente. Como se as lágrimas fossem uma enxurrada que arrastava suas dores rosto abaixo. Estava em um daqueles dias em que o peso torna-se demais para as pernas vacilantes e os braços não conseguem reerguer o corpo do fundo da solidão.
Olhou-se no espelho e suas rugas o acordaram da espera e o fizeram voltar aos anos em que vivia rodeado de amigos e sempre com a agenda repleta de compromissos. Mas agora, sentia-se um estorvo, um problema, um incômodo para sua família e um corpo estranho para seus netos. Sua sabedoria e experiência de nada valiam aprisionadas naquele corpo débil, impossibilitado de comunicação e totalmente dependente da bondade ou da obrigação de seus familiares.
Mas, apesar de tudo, sua consciência funcionava sem nenhum tipo de censura, o que o tornava uma cela solitária. Pensava a todo o momento qual crime teria cometido para sofrer tal pena. Procurou sempre ajudar quem precisava, foi um filho atencioso, um pai presente e um avô amoroso, pelo menos até ter sua sentença anunciada, nunca desejou mal, maltratou animais e nem mesmo cultivou vícios danosos ao corpo. Ao contrário, foi um homem devoto e afastava toda negatividade com sua resiliência e amor à vida. Não encontrava a resposta, apenas ecos de seus próprios questionamentos.
Sentado em sua cadeira, era uma peça decorativa no centro da sala, de frente para a TV, como se aquilo fosse o suficiente para distraí-lo, um passatempo. A verdade é que não existia passatempo para aquela situação, a única coisa que amenizava eram as raríssimas interações que as pessoas tinham com ele, ainda que não fossem sinceras, ainda que para fazê-lo de instrumento do riso alheio – ele achava até graça, às vezes -, qualquer coisa que o conectasse às pessoas novamente e o tirasse daquele vazio, onde o único sonho plausível era morte.
O fato é que a doença surgiu sorrateira como uma cobra que se arrasta silenciosa pela vegetação até o momento do bote certeiro, em que paralisa sua presa para depois esmagá-la, quebrando seus ossos e a engolindo inteira. No início as visitas eram mais presentes e as palavras de esperança mais frequentes. Mas o tempo ceifou os amigos distantes, os próximos e os apenas conhecidos, até não sobrar alma para colher.
Foi então que refletindo sobre sua situação percebeu o óbvio: vida é caos. Não existe propósito, lei de retorno ou causalidade. As coisas acontecem porque sim. Simplesmente isso. Nada nem ninguém eram responsáveis pela sua situação precária.
O medo faz com que as pessoas sejam esperançosas diante da vida, planejem o futuro e se lancem confiantes rumo ao desconhecido. Mas ele percebera que não estamos vivendo e sim morrendo, todos os dias, aos pouquinhos. E, finalmente, chegara sua vez. Fechou derradeiramente os olhos e despediu-se do corpo débil para sempre.