O PEIXE E O PESCADOR

         Ah, como é bom meu habitat, isto é, o mar. Nada se compara a este imenso lar espaçoso, água com temperatura a gosto do freguês, alimento farto, mesmo uns engolindo aos outros, faz parte da sobrevivência, coisas da natureza, inquestionável à nossa vontade.
        Não fosse por aquele pescador caduco que nos persegue. Perseguia-nos, mas graças à Divina providência suas forças o abandonaram e espero que suas mãos hábeis à nossa cata e, para saciar sua fome, fiquem inertes e nos deixem em paz.       
         Pense, no entanto,  torto, eis que vem vindo. O pescador sentou-se à beira do mar, olhar distante, pensamento indeciso, talvez adquirindo coragem para voltar ao barco, atirar aquela isca assassina e feito viciado irrecuperável, nós os habitantes deste recinto, disputarmos na dentada o petisco traiçoeiro.
      Vou ser mais esperto, abocanho o naco e jogo o velho no mar e então servirá numa lauta mesa ao jantar desta noite com convidados especiais, os tubarões.
        Xi, estou sangrando, solta-me velho asqueroso. Ajudem-me! Um cardume de companheiros veio em meu socorro, mas num solavanco inesperado, o velho jogou-me dentro do barco. Fitamo-nos. Eu com olhar de piedade, de vítima sem recursos, ele com olhar de glória, de vencedor sênior, visto que a força voraz da juventude se fora no decorrer dos anos.
       Senti piedade em seus olhos como se a conquista o tornasse sensível a ponto de me amar. Aproveitei a fraqueza, sim, amor é fraqueza de sentimentos, os perversos são secos, não amam. Dei um salto tão forte que quase chego ao fundo do oceano. Respirei fundo para oxigenar as guelras, voltei à tona e lá estava o naco de carne, loucamente avancei de um salto. É assim, repetimos o mesmo erro várias vezes, mesmo achando que maturidade e sabedoria, são lições a longo prazo. Engano.
        Desta vez cai no laço, exausto e sem forças. Eu estava estirado na areia da praia um vento acariciante sobre minha pele, olhares admirando-me saboreando no paladar, a fritura com cebola. O velho desmaiou de tanta emoção, mostrando ao povo a façanha da força dita decrépita.
        Ainda ouvi vozes. – Ele mede dois metros, que pescado fabuloso e com os olhos embaçados vi a língua de o locutor massagear os lábios sentindo o paladar aguçado.
       O velho cansado tocou meu corpo alisando-o como objeto de conquista, mesmo sendo a última. Alguém falou: a mesma força de quando derrubava no braço o adversário. A juventude foi-se, porém na mente a vontade de não perder força, equilíbrio e lucidez.
O mundo escureceu, cumpri a missão: alimentar o humano insaciável.

87 – Antologia do Intercâmbio Cultural, Brasil Portugal – Núcleo de Literatura a Artes Plásticas Casa das Beiras RJ – 2021 – Presidente Dr. José Henrique Ramos da Silva. Também no jornal, O Povo.
Sonia Nogueira
Enviado por Sonia Nogueira em 27/06/2021
Reeditado em 04/07/2021
Código do texto: T7288014
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