"Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”
Percebi que ela chorava porque as lágrimas insistiam em descer pelo seu inocente e lindo rosto. Era só uma criança de aproximadamente 5 anos que assistia aos seus pais discutirem grosseiramente em plena praça pública. Na verdade, eram duas crianças, mas a outra, por ter aproximadamente uns 2 anos, estava alheia àquela situação. Não sei ao certo qual era o motivo da discussão, mas, parado ao lado do casal, era nítida a irritação mútua que fazia com que aquela pobre criança se derreter em lágrimas. Ela puxava a mãe pelo braço e pedia para calar a boca, ia ao pai e implorava para não brigar com mamãe. Essa insistente garotinha parecia não ser ouvida. Conhecemos a máxima de que em briga de casal ninguém deve se intrometer. Mas quando esse alguém são os filhos, os brigões não deveriam permitir a intromissão? Deveriam ao menos terem ouvido a pobre garotinha, acalmar seu palpitante coraçãozinho. Isso não aconteceu, o casal estava mesmo era focado em manter de pé a discussão. Estacionado ali pertinho do casal, de dentro do carro acompanhava, sem ser notado, o desenrolar daquela história. Enquanto a criança sofria com a interminável peleja dos pais, em plena praça pública, eu ficava imaginando como eram as discussões no interior de sua casa, se é que eles moravam juntos. Mas pelo desespero da menina, tudo indica que as discussões deles eram frequentes e parecia não terminar bem. Os transeuntes não percebiam que ali tinha um casal discutindo e duas crianças sofrendo. De dentro do carro, ponderei se deveria intervir para interromper o desespero da criança, mas decidi que era melhor não, nunca sabemos do que as pessoas são capazes para se defenderem. Dei partida no carro e fui embora, lembrando da frase que é atribuída a Platão. “Não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los”. O sofrimento causado às crianças e jovens é algo que me marca muito porque trabalhei como Conselheiro Tutelar por mais de 4 anos e tive acesso a casos estarrecedores de maus tratos e abusos de todos os tipos possíveis. Não dá pra entender como um adulto é capaz de fazer uma criança, um ser indefeso, sofrer. Muitos pais se negam a registrar seus filhos e, quando registram, muitas vezes se negam a pagar uma mísera pensão alimentícia. Casos mais estarrecedores também acontecem, como muitas mães que ficam ao lado dos seus companheiros em detrimento de seus filhos e filhas. Ou ainda abusos sexuais provocados por tios, irmãos, vizinhos, primos, cunhados. A lista é grande, mas vamos deixar esse assunto para outro momento. Hoje estamos conversando sobre a garotinha que tentava, em vão, colocar fim à discussão de seus pais. Passados mais de 2 meses, ainda está registrada em minha mente a corajosa batalha da pequena menina tentando fazer com que seus pais parassem a discussão. Duas dúvidas ainda me atormentam. Ela estava tão preocupado em dá um fim àquela discussão por que era algo que acontecia em público ou ela temia mesmo eram as consequências que aquilo poderia causar? Mas independente disso, acredito que precisamos olhar melhor para nossas crianças, elas que vão nos substituir. Não podemos ensinar nossos defeitos, mas o melhor que tem em nós.