Parque dos coquinhos (*)

(*) Nem tudo são flores no Planeta Jardim - Crônicas de um futuro possível

APIABÁ (20.8 S, 47.5 O), 28/02/3.316

Volta e meia aproveito o final de tarde para ir até o Parque das Monocotiledôneas. São mais de cinco hectares ocupados por um lago, uma cachoeira artificial em forma de cortina d’água, incontáveis canteiros de monocotiledôneas de grande porte, principalmente palmeiras, que fazem belos desenhos no céu com suas folhagens. Desenhos abstratos, claro.

São tantas palmáceas que o chão está sempre coberto por uma grossa camada de seus pequenos frutos, e como a veia satírica do povo nada perdoa, o lugar ganhou o apelido de “Parque dos Coquinhos”. Ali, o que não é palmeira é vegetação de apoio formada por algumas outras espécies de monocotiledôneas gigantes.

Quando passeamos pelas alamedas do parque, ou quando nos banhamos na cachoeira, nossas almas sentem a intensidade mágica dos centros de energia religiosos. Sou dos que não se apegam a organizações religiosas e a seus rituais, mas fui iniciado em várias teologias e respirar a atmosfera do Parque das Monocotiledôneas, em razão da forma como a entendo é para mim uma experiência mística. E gastronômica, quando consigo um coco para beber a água.

Diz a história, ou a lenda, que esse parque foi criado antes da Era Nova, por volta de 1950, por um jardineiro visionário, a pedido de um proprietário rural abastado. Naquela época as áreas rurais eram propriedades particulares, raramente áreas públicas ou cultivadas pela comunidade.

O nome do jardineiro era Burle Marx, autor de uma obra artística pioneira. Ele valeu-se de cargos públicos e bens particulares para fazer da Jardinagem uma forma superior de arte muito antes da nossa era. Tornou-se conhecido como “arquiteto paisagista e urbanista” porque ser jardineiro, na época, era uma profissão secundária, considerada inferior, a não ser para gênios como ele.

Eu diria que sua obra foi profética, pois seus projetos de ajardinamento não eram apenas criativos. Eram dotados de espírito. Burle possuía imenso amor e respeito ao mundo vegetal, dom raro naqueles tempos de brutalidade e ignorância.

Digo que ele foi profeta, mas não lhe atribuo santidade. Na realidade ele foi um profissional comum, extremamente criativo e inteligente, sim, porém dotado da rara combinação de sensibilidade artística e amor à Natureza, qualidades espirituais excepcionais em seu tempo. Fora isto, foi uma alma sintonizada com as ideologias dominantes no século XX.

Burle trabalhou sempre restrito a áreas específicas, ou seja, parques e jardins urbanos, públicos ou particulares, porque no seu tempo quase nada era verdadeiramente comunitário ou cooperativo. O mundo ainda não era um território destinado prioritariamente à Beleza. Na época ainda não existia a idéia de jardinagem plena, de reconstrução do Jardim do Éden em escala mundial, ou da criação do Planeta Jardim. Nossa casa ainda era apenas o Planeta Terra.

Antes da Civilização da Era Atual, as pessoas que amavam o contato com a Natureza apreciavam suas belezas, mas seu sistema de vida não lhes permitia uma prioridade para o embelezamento ambiental. As cidades davam prioridade absoluta para o trabalho em fábricas e outras organizações particulares. A prioridade nos campos era a produção de insumos industriais, e a idéia de viver a vida intensamente consistia em usufruir privilégios e recursos tecnológicos sofisticados. Confundia-se beleza com riqueza econômica. Ironicamente, jardins eram considerados um luxo.

O Parque das Monocotiledôneas de nossa cidade conserva tanto quanto possível as características do projeto original. As poucas modificações nele introduzidas, em treze séculos, foram pequenas mudanças no desenho dos canteiros, para introdução de novas espécies de palmáceas e plantas de apoio, e a substituição da barragem original do lago, feita de concreto armado, por uma estrutura de pedras talhadas sobre as quais rola a cachoeira.

Giacomo Cattoni
Enviado por Marco Antonio Mondini em 25/06/2021
Reeditado em 06/12/2023
Código do texto: T7286592
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