Tapete e boca de fogão

Não acredito que o amor se revele em ações grandiloquentes, buquês caríssimos ou declarações vexatórias nas redes sociais. Manuel Bandeira já advertia: "Se ele se rasgar todo/ Não acredita não, Teresa/ É lágrima de cinema / É tapeação / MENTIRA / Cai fora". É cilada, Bino! A própria ideia de apresentar provas de que se ama é, por si só, oposta ao amor, pois este implica confiança, segurança; não exige, portanto, provas. Prova-se a inocência, quando esta é levada a juízo, não o amor. O ser amado não deve agir como juiz, a exigir evidências materiais do que lhe é declarado.

É nas sutilezas, no trivial de todos os dias, que o amor mostra a cara. Um amiga querida, por exemplo, vai receber em poucos dias um moço por quem nutre especial estima, depois de um ano e meio sem vê-lo pessoalmente. Consequência da pandemia, empecilho para os amantes transoceânicos. Para ela, as famosas linhas do diálogo entre o Pequeno Príncipe e a Raposa (sim, com r maiúsculo, pois não é uma raposa qualquer!) foram ressignificadas: "Se tu vens às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!" Nossa heroína (sim, cometo exageros narrativos) experimenta um sutil prazer com pitadas de ansiedade na sua venturosa espera. Não é a espera de noiva virgem, temerosa do contato carnal primeiro. Eles já se conhecem, e bem, no sentido bíblico. É espera calma, entrecortada por sorrisos bobos ou por um pensamento besta que vem à cabeça, quando ela lava os pratos ou tira o pó dos móveis. Ela sabe que não precisa declarar nada, que não precisa provar nada. Ele o sabe também, porque os dois sabem o que precisa ser sabido. E isso basta.

Se atento for, o rapaz notará que o tapete da porta está extraordinariamente limpo, sinal de pouco uso. O bolo, cuja receita foi ensaiada duas vezes, estará na geladeira, discreto, já partido, para não deixar tão evidente que foi feito para ele e por ele. Bolo macio, recheado, apetitoso aos olhos, mas ainda insuficiente para saciar a fome que eles sentem um do outro. Notará também que as bocas do fogão brilham mais do que as outras partes do já surrado utensílio. Por algum tempo, ela não se incomodou com as bocas enferrujadas, com pequenos buracos que desviavam o curso da chama, deixando-a bruxuleante, em descompassada coreografia, manchando mais um dos lados das panelas. Tampouco se incomodou com o tapete da entrada, que mais sujava que limpava os sapatos, dado o acúmulo de poeira. Ele certamente notará! Minha amiga já me revelou ser a observação atenta um traço do rapaz. É quase certo também que não comentará nada acerca de tão bobas 'provas' de afeição e cuidado. Só sorrirá com o sorriso daqueles que se sabem amados. E isso basta.