Flor de Lis

Ele era um menino, ele era um menino homem. Tinha cérebro de homem que pensava e raciocinava sobre os mistérios da vida. Tinha braços de homem que procura e não encontra carinho da vida. E tinha coração de menino que se recusa a crescer para ser um homem, á medida dos seus iguais. Ele gostava dos pobres mendigos, das conversas paralelas, da brisa da noite. Mas do que ele mais gostava era mesmo de jardins. Bem na verdade não era propriamente dos jardins, mas das flores que povoavam os jardins. Conhecia todas as flores pelo nome e falava com elas. Sabia-lhe as cores e os aromas.

Um dia, num jardim o menino reparou numa flor que nunca tinha visto. Era diferente de qualquer outra flor que ele conhecia. As cores, variadas não se deixavam definir. O perfume lembrava infância perdida, misturas indecifráveis de odores que induziam sabores e frutos ainda desconhecidos ou já não lembrados.

Correu a perguntar ao jardineiro que flor era aquela. O velho coçou a cabeça por cima da boina surrada, que nem ele conhecia direito as características. Tinha ouvido falar, mas nunca visto até então, se chamava flor de lis, esse era seu nome.

O menino voltou para junto da flor, repetiu o nome baixinho quase só para sí, tocou-lhe ao leve, e relatou que nos seus dedos havia pequenas marcas coloridas, como se a flor o tivesse beijado.

- Posso tê-la? Perguntou ao jardineiro.

- Levá-la comigo!

- Se tirares daí, provavelmente morrerá.

- Mas eu cuidarei dela... melhor até, talvez do que de mim.

- Isso não! Para poderes cuidar dela terás de cuidar bem de ti. Mas mesmo assim não a podes levar, ainda está muito frágil. Alguém lhe fez mal noutro jardim e agora está acostumado a viver de novo. A partir daquele dia o menino passou a viver quase que em permanecia no jardim. Os dias foram passando e até o jardineiro já notara que entre aquele menino e aquela flor se estabelecia um laço especial. Nunca o menino estivera assim tão encantado.

Numa manhã, o menino não viu a flor. Assustado, correu todo o jardim, talvez se tivesse enganado no local, mas não era ali mesmo junto ao regato, a terra até estar um pouco resolvida. Numa angústia febril procurou o jardineiro.

- Levaram-na daqui! Deixou o velhote escorregar da boca, num esforço que queria parecer indiferença.

O menino sentiu o chão fugir

Quando acordou, chorava amargamente já em soluços, fio de lágrimas que se misturava ao regato e conheceu então o significado de amor destroçado. O menino pensou olhou e entendeu. Talvez se esperasse, se não tivesse pressa, talvez se conseguisse ele próprio habituá-la a viver de novo. Talvez um dia nasça novamente.

Cynthia Thayse
Enviado por Cynthia Thayse em 24/06/2021
Reeditado em 10/08/2022
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