SILÊNCIO SEM FANTASIA
SILÊNCIO SEM FANTASIA
Por que mesmo quando temos todos os motivos para estarmos alegres, ainda assim nos alimentamos de uma tristeza aparentemente inexplicável? Que melancolia é essa que insiste em se instaurar em nosso ser? Estaremos retraindo a felicidade por medo de perdê-la e dando vazão à angústia por desejar que esta desapareça? Que vocação irresistível é esta para a dramatização, de chorar no travesseiro, de ouvir aquela música na madrugada, que incorpora a melodia dos nossos desencantos... ou de ler aquela poesia que nos enche de lágrimas?
Que pesadelos são esses que nos imergem na sensação de abandono? Que medo de perder se nos sentimos tão amados ? Acionamos o alarme do afeto, porque os laços estão frágeis. Os “amores líquidos”, como diria Bauman, estão sempre escorrendo pelo ralo. É um sinal que soa para nos recordar que todo sentimento é efêmero, é mutável e frágil. Se tudo é tão frágil, então cuidemo-nos mais.
E que respeitemos mais a tristeza. Não é um vazio inexplicável. É um processo de maturação que se dá silenciosamente. Mais vale uma tristeza sincera que um sorriso falso, aquela que nos faz espelho de um mundo nem sempre generoso. Vai para além da aparência. É transcendental. É simbolista. Espelha a própria metamorfose chamada vida.
Antes queria que meu interior se exteriorizasse para me anunciar com mais autenticidade. Não sabia, na adolescência, que autenticar-se requer uma coragem para a qual ninguém está preparado. Além disso, as entranhas comumente geram repulsa. Há razão para o oculto ocupar esse espaço secreto.
Uma áurea se interpõe à minha visão quando rápido me levanto. Os labirintos das minhas (des)memórias tornam a rosa dos ventos um punhado de pétalas sopradas aos quatro cantos do mundo. Elas se misturaram. Perderam a identidade para ganhar unicidade, multiplicidade e animalidade. Desde a infância, às vezes me flagrava numa letargia que não sabia definir se era deslocamento ou poesia. Só sei que não podia me manter calado ante essa imprecisão. Então divago, devagar vou para não tropeçar em mim mesmo.
Há noites em que acordo como se tivesse despertado do sonho de um sonho. Um metassonho, um intersonho, um extrassonho, um medonho sonho. Para mim, é um mundo no qual as palavras não existem. Só existo no verbo, no desdobramento do desejo de dizer. No gerúndio, no infinitivo, no particípio. No modo subjuntivo de imperar no pretérito. Minha infância presente, meu passado presente e meu presente passado.
Mas, mesmo diante de um nada, reivindico tudo. A perseverança me persegue tanto quanto o silenciamento que me é tão precioso. Meu rosto fechado há de se abrir para essa introspecção. Deixarei de ser um personagem ou manterei a máscara? Não sei. Estamos todos em um carnaval. Uns preferem dançar, outros fogem da folia. Entre confetes e serpentinas, recolho os restos da festa ou apenas me contento em esperá-la. Aguardarei calado, preparando um novo traje. Só não esperem um palhaço triste.