É HORA DE QUEBRAR O ENCANTAMENTO
O País onde igrejas fundam partidos e comandam bancadas parlamentares é o mesmo em que professores se declaram apolíticos.
O QUE é mesmo um professor?
QUAL é a sua principal função?
POR QUE professor é “tio” e não Doutor?
POR QUE é tão fácil se tornar professor no Brasil?
EXISTE o professor apolítico?
TRÊS curiosidades a esse respeito podem nos levar a reflexões que poderão resultar num certo ponto de inflexão na postura do docente – especialmente o da educação pública – que ainda cultiva dentro de si o mito do “professor apolítico” ou o que “não gosta de confusão”:
1) Observe-se que jamais – nem nos tempos de Colônia – se admitiu no Brasil o exercício de funções como médico, engenheiro, advogado ou magistrado, por exemplo, sem formação superior – não importando em que nível tais profissionais fossem atuar. No entanto, tal obrigatoriedade só viria a ser imposta aos praticantes da docência na educação básica a partir de 2007 (mais de 500 anos após a chegada de nossos “descobridores-redentores”) – e ainda hoje há lugares em que o ensino médio é o bastante para que alguém seja admitido como docente; quando não, basta acrescentar a este nível uma “complementação pedagógica” de alguns meses (inclusive à distância e sem estágio), e tudo estará resolvido.
2) Por maior que seja a necessidade de estreitamento de relações e promoção da confiança, para a criança, o médico, o advogado ou juiz serão sempre “Doutor” – tem até lei (do tempo do Império) que regulamenta tal reverência –, e nunca simplesmente “tio”. É óbvio que, no caso do professor, a história do “tio” como forma de estreitar a relação e fortalecer a confiança é estória.
3) Nenhuma dessas outras categorias profissionais internalizou a concepção de que Política é sinônimo de corrupção, confusão, coisa ruim... ou que sua prática é uma ação criminosa, nociva ou que implique algum constrangimento ou pejo. Pelo contrário, sentem-se tão à vontade com o tema que sempre comandaram, ocupando os mais importantes espaços decisórios, toda a administração do País, incluindo, é claro, a Educação Pública, composta notadamente pelos “tios” e “tias”, em sua maioria autodeclarados “apolíticos” e/ou que “não gostam de confusão”.
ALIÁS, nesse particular, o Brasil tem situações que só morando aqui e testemunhando-as para não se convencer tratar-se de contos medievais. Por exemplo: militares juram não se tornarem ativistas políticos e, sequer, manifestar opinião pública sobre o assunto. No entanto, já derrubaram um Imperador, impediram um presidente eleito de ser empossado, destituíram outro do cargo, e dos 132 anos de República, 36, entre mandatos eleitos e golpes, estiveram sob o comando deles. Já os docentes prestam juramento de formar cidadãos críticos e politicamente conscientes, no entanto, em regra, se gabam de “não se envolver em política”.
E, CURIOSAMENTE, esse País em que Igrejas, em tese, instituições apartidárias, fundam partidos e lideranças religiosas comandam bancadas parlamentares é o mesmo em que professores, por imposição do ofício, políticos no mais holístico sentido do termo, se orgulham em se declarar “apolíticos” e/ou se sentem constrangidos ao serem abordados sobre a questão.
ALÉM de questionarmos os fatos e circunstâncias que nos trouxeram a tão estranha interpretação de nós e de nossa função na sociedade, uma indagação é inexorável: se a Política, além de não ser uma atividade criminosa, é parte essencial (como as letras, as artes, os números, a sexualidade, os fenômenos naturais e sociais...) da formação integral do cidadão, e tal formação é a essencial atribuição do professor, com quem (e, principalmente, de que forma) as novas gerações aprenderão sobre esse tema caso os professores, além de eximir-nos de tal responsabilidade, ainda a criminalizamos, atribuindo-lhe conceitos como “bagunça”, “confusão”, “baixaria” e “corrupção”?!
NÃO estaria na hora de quebrarmos o “encantamento do Magistério segregado do ‘mundo sujo da política’”, e assumirmos de forma consciente aquilo que sempre somos e fazemos, ainda que de forma involuntária e inconsciente: que somos seres políticos e agentes promotores diretos da transformação ou da conformação?!