A lição do Pequeno Príncipe
É sexta-feira. Na creche, dias em que as crianças podem levar seus brinquedos. Espero ansiosa, não me divirto tanto quanto as crianças, mas posso pelo menos tentar adivinhar os brinquedos e falhar miseravelmente. Imagino os clássicos: carrinhos, bonecas, animais...
Chega a primeira criança. Traz nas mãos uma câmera fotográfica na qual se vê vários frames do Homem Aranha. Até eu fico empolgada com a sofisticação do brinquedo, a professora pega e entra na brincadeira, tirando fotos minhas e sinto vergonha de minhas olheiras mesmo sabendo que nenhuma imagem minha ficará salva na câmera.
Chega a segunda criança: traz nas mãos dois carrinhos. Acertei um. Os carrinhos são clássicos, mas sempre se perdem debaixo da cama e as crianças têm medo de pegar. O que faz a professora arrancar os cabelos quando lhe pedem: "pega pra mim?" A criança não tem autonomia para comer sozinha, mas imagina-se que tem para enfrentar sozinha o medo dos monstros inexistentes debaixo da cama. Esses são os piores, os que não existem acabam nos amedrontando sempre. Crescemos com medo do que não existe.
Chega a terceira criança: uma boneca. Clássica também. Ensina os papéis de cada um, todo mundo fica feliz (exceto quem fica com todo peso de cuidar das bonecas da vida sozinha, mas isso não é preocupação da professora).
Chega a quarta criança. O pai logo trata de explicar: "ele quis trazer esse brinquedo." Mas o que vemos é um grande rolo de papel toalha sem papel toalha. A criança em questão, que chamo de Pequeno Príncipe, mostra o seu brinquedo: uma luneta. A professora espera um pouco e espragueja o pai por deixar que uma criança escolha o próprio brinquedo. "Vai cansar rápido e ficar triste."
Eu o observo e trata-se de uma luneta com a qual ele vê tudo melhor. De repente, ele perde-se no mar. A sua luneta vira uma espada com a qual ele combate seus inimigos para roubar-lhes o navio e poder voltar para terra firme. Após derrotar todos, a luneta volta e ele grita: "Terra à vista!" Ao descer, ele vira um baterista e canta os clássicos infantis de todos os tempos acompanhado do toque de sua baqueta. A professora acompanha de longe, contrariada por sua previsão não se cumprir.
E assim foi a tarde toda. Uma colega diz: "esse menino é todo estranho." Realmente, é estranho uma criança que sabe que as coisas simples podem ser uma coisa ou outra. Nós mesmos, adultos, demoramos muito pra aprender que é tudo uma questão de como enxergamos as coisas que nos faz felizes ou tristes. E quando vi, não era a educação que me decepcionava. Era o poder que ela tem de castrar a alegria genuína da infância.
Essa foi a lição que aprendi do Pequeno Príncipe.