Oi, bom dia Rosie.

Meu nome é Vladimir de La Mancha e só tenho medo de dentista. Porém, me faltam algumas coragens. Ultimamente descobri que me apaixono facilmente. Eu sei, quem me conhece há mais tempo dirá que disso já sabia desde outros carnavais, mas dessa vez estou confessando. E quando confesso, me entrego por completo. Acontece de morar no mesmo prédio que eu uma moça de nome Rosie. Eu sei o nome por causa de um encontro casual no elevador, o celular dela tocou e ao atender retirou a máscara do rosto, e foi aquele momento divino no qual vi diante de mim todo o esplendor de sua beleza de fêmea no cio, ainda que por momento rápido. Eu sou homem, detecto quando o rosto fica rosado, os olhos ligeiramente lacrimejando, isso se chama tesão. E foi exatamente isso que Rosie sentiu por mim naquele momento. Nossa, não posso nem lembrar sem que os dedos das minhas mãos estalem, recordo os detalhes daquele charmezinho impagável, a máscara dependurada numa das orelhas, a voz ligeiramente trêmula:

- Oi, sim, sou eu, a Rosie. Quem fala?

Pelo que entendi, pelo rosto de incompreensão e o modo gestual, do outro lado da linha ninguém lhe disse nada. Nesse mundo repleto de gente sem escrúpulos e tantos tarados, pobrezinha, deve ter ficado preocupada. Mas eu estava por perto e ela certamente se sentiu segura. Sorrimos ao mesmo tempo. Ela ficou no quinto andar, percebi um suspirar prolongado de quem não queria descer, e eu, covarde, nada fiz para impedi-la, segui até o meu sétimo andar carregando o demônio da minha timidez, mas desde então, de olhos abertos ou fechados, o rosto dela me acompanha.

Cinco vezes depois nos encontramos no corredor do prédio e dissemos um para o outro um “oi, bom dia”, algo rápido e muito tímido. Claramente não era um bom dia vadio, desses que a gente fala por falar, sem olhar nos olhos, apenas por educação. Era um bom dia de olhos ardentes, muito mais que simples palavras de educação.

Passei então a ansiar pelos encontros, já trazia o meu oi, bom dia engatilhado, logo depois de arcar as sobrancelhas e esticar a máscara no roso com o meu melhor sorriso.

E a vida segue assim, encontros furtivos e repetidos. E agora, o que faço? Dou uma de louco e a convido para sair? Faço por escrito, peço a um mensageiro lhe entregar flores com os dizeres: oi, aqui é o seu vizinho do “oi, bom dia”, aquele que sempre está atravessando o seu caminho por conta dessas coisas do destino.

Rosie...Ah, como eu queria ser poeta para compor um poema para Rosie. Quem sabe se eu pedir para o meu amigo escritor...Não, não...Ele já disse que não é poeta, ao invés de um poema é bem capaz de escrever um conto e arrancar o sorriso do rosto de Rosie e fazê-la gritar o nosso bom dia como se fosse o piar desesperado de uma coruja.

Ah, Rosie...Será que ela é de escorpião?

Quantos dias ainda terei que esperar até conseguir reunir a coragem suprema de conversar com ela? Rosie, Rosie, Rosie... pressinto que ela já tenha passado dos quarenta, mas talvez não tenha trinta e cinco. Pouco sei, quase nada, a não ser a imagem dela tirando a máscara para atender o celular, o momento transformado num desses retratos divinos que anoto na minha cabeça para designar a certeza da existência de Deus. Sim, só pode ter sido Deus quem ligou para o celular dela naquele exato instante que estávamos a sós no elevador, era Deus forçando Rosie a retirar a máscara e os adornos na minha mente refletem um completo desnude que agora compõe boa parte do meu sonho bom.

Ah, Rosie, nós precisamos arrancar de vez nossas máscaras...

(Enquanto isso, no quinto andar)...

Certo, está tudo aqui na minha bolsa: o gás de pimenta, o celular e o alfinete de emergência. Da próxima vez serei direta: primeiro o alfinete, depois o gás e por fim o telefonema para o 190. Às vezes penso que esse governo maldito tem razão numa coisa: todo mundo deveria ter uma arma. Ai, que pensamento mais idiota, meu Deus, eu jamais conseguiria atirar em um outro ser humano, ainda que fosse um macho escroto como aquele.

Tinha mesmo que acontecer comigo, morar no mesmo prédio de um psicopata tarado. Ele nem disfarça, não tira os olhos de mim, todos os dias a mesma cara cínica ameaçando tirar a máscara, “oi, bom dia”, ele diz ao mesmo tempo que tenta me desnudar com os olhos de tarado. Dia desses, no elevador, ficamos a sós e ouvi seus dedos das mãos estalarem. Quando ameaçou se virar para o meu lado, encenei atender o celular, inventei um nome, Rosa eu acho, algo assim, no desvario tirei a máscara e a danada ficou pateticamente presa numa das minhas orelhas, o desespero queimando meu rosto, quase chorei, sou boba e fraca, choro por qualquer coisa, principalmente quando me sinto insegura e com medo. Resolvi encarar o tarado, olhei com coragem para ele e fiquei rindo feito uma boba, orando para sequer me dirigir palavras, ele lá, riso cínico na cara escrota. Riso seco eu sei dar, em todos os meus relacionamentos foram a minha salvação. Ensurdecedor silêncio, o meu riso era o não e talvez ele tenha compreendido pois nada disse, embora tenha permanecido o tempo todo olhando para mim como quem está pensando inúmeras bobagens. Quando soou o apito do elevador informando que havíamos chegado ao quinto andar, soltei um respirar forte de alívio e sai daquele inferno.

Ai, que falta Jurema me faz.

Eu não devia ter terminado, ela me protegia, sua presença era o meu porto seguro, terminar por uma bobagem, ciúme besta. Talvez se a procurar, consiga perdão. Não...certamente dirá não, ela é de escorpião.

Ai, não vai ter jeito, se encontro novamente aquele sujeito e seu maldito “oi, bom dia” não me restará alternativa que não procurar outro lugar para morar...