Trechos de livros à guisa de crônica
“O coração é um caçador solitário”, romance de Carson McCullers:
“Todos nós aqui reunidos sabemos o que é sofrer reais necessidades. Isso é uma grande injustiça. Mas existe uma injustiça ainda mais amarga do que essa - a de ter negado o direito de trabalhar de acordo com suas habilidades. A de trabalhar uma vida inteira inutilmente. A de ter negada a chance de servir. Muito pior do que tirar os lucros de nossos bolsos é roubar de nós as riquezas de nossas mentes e almas”.
“Bertram”, conto de Álvares de Azevedo:
“O que é a existência? Na mocidade é o caleidoscópio das ilusões: vive-se então da seiva do futuro. Quando chegamos aos trinta anos, e o suor das agonias nos grisalhou os cabelos antes do tempo, e murcharam como nossas faces as nossas esperanças, oscilamos entre o passado visionário, e este amanhã do velho, gelado e ermo - despido como um cadáver que se banha antes de dar à sepultura! Miséria! Loucura!”.
“O filho de Gabriela”, conto de Lima Barreto:
"O mundo parecia-lhe uma coisa dura, cheia de arestas cortantes, governado por uma porção de regrinhas de três linhas, cujo segredo e aplicação estavam entregues a uma casta de senhores, tratáveis uns, secos outros, mas todos velhos e indiferentes".
“Meu nome é vermelho”, romance de Orhan Pamuk:
"De repente, o mundo se apresentava a mim como um imenso palácio cujos aposentos se comunicam por mil e uma portas escancaradas, e podíamos passar de um aposento ao outro valendo-nos das nossas lembranças e da nossa imaginação. Mas a maioria das pessoas é preguiçosa demais para fazer uso desse dom e prefere ficar encerrada sempre no mesmo aposento".
“Vista e use”, conto de Kurt Vonnegut Jr.:
“A mente é a única coisa do corpo humano que tem algum valor. Por que tem de estar presa a um saco de pele, sangue, cabelo, carne, ossos e tubos? Não admira que ninguém consiga fazer nada, amarrado pelo resto da vida a um parasito que precisa ser entupido de comida e protegido do tempo e dos germes em todos os momentos. E a porcaria se gasta de qualquer maneira, por mais que a gente a alimente e proteja!”.
“Abaixo as armas!”, romance de Bertha von Suttner, em tradução própria:
"Eu não sei de nenhum homem sensato a quem alguma vez tenha ocorrido a ideia de apagar uma mancha de tinta com outra mancha de tinta; não sei de ninguém que tenha tentado fazer desaparecer as manchas de azeite com azeite. Contudo, para as manchas de sangue sempre foi usado sangue".
“Num bosque”, conto de Ryunosuke Akutagawa:
"Como? Matar um homem não é tão grave com pensam os senhores. Quando se toma a mulher de outrem, este deve, de qualquer maneira, ser eliminado. Somente que, para matar, faço uso da espada que trago sempre comigo. Os senhores não usam espada para isso: matam valendo-se do poder que possuem; matam com o seu dinheiro. Às vezes, matam apenas com palavras, pretextando favores, enganando, ludibriando. Não corre sangue, é verdade. Os homens continuam a viver. Nem por isso os senhores deixam de prosseguir na faina. Avaliando a extensão de nossos respectivos pecados, difícil dizer qual de nós é o maior criminoso".
“Lâmpada”, poema de Jaroslav Seifert, em tradução própria:
“Em torno da luz fria das lâmpadas,
a agitação incansável de asas batendo
E o senhor Edison,
levantando os olhos do livro que lia,
sorriu.
A quantas borboletas noturnas não salvou a vida!”.
“Efraim volta à alfafa”, conto de S. Izehar:
“E quando tudo está fechado dos quatro lados, para onde explodirão as saudades?”.