O RÁDIO


Seu lugar sempre foi sobre o grande balcão de fórmica de nossa cozinha em Curitibanos - SC. A cozinha era a melhor parte do sobrado, ampla, com piso em tacos de madeira de Imbuia e lajotas de cerâmica vermelha, somente junto à pia, ao fogão a lenha, ao balcão e à caixa de lenha. Não era uma cozinha moderna ou sofisticada. Era acolhedora em sua simplicidade. Toda atividade familiar se concentrava ali, o preparo das refeições que comíamos à mesa de madeira com cadeiras também em madeira e assento de palhinha. O mobiliário se completava com a geladeira, o fogão a gás, um armário embutido na parede e outros suspensos, em fórmica.

Entretanto, o objeto mais querido por todos era o rádio. Um exemplar importado, da marca Pioneer, grande, vistoso em sua caixa de madeira nobre envernizada. Seu som era espetacular, pegava muitas estações, sem ruídos ou defeitos. Cada um em nossa casa tinha suas preferências. Meu irmão Nelson, logo ao levantar-se, sintonizava um programa com Vicente Leporace, que nos atualizava sobre o noticiário policial. Naquele tempo, início da década de 1960, Leporace já falava de um lugar que ele chamava de São João de Meriticídio, na Baixada Fluminense...também mencionava Tenório Cavalcanti e sua famosa Lurdinha (a metralhadora que portava sob a capa preta). Enquanto mamãe descascava alho ou cebola para temperar o almoço, ou mesmo durante as refeições, ouvíamos outros programas, geralmente notícias. Papai, às vezes, sintonizava estações estrangeiras.

Eu ia à escola pela manhã e à tarde me divertia ouvindo boa música. Foi o rádio que me iniciou em música estrangeira, Bossa Nova e Jovem Guarda. Tornei-me fã de Roberto Carlos e cantava junto as canções românticas. O rádio foi meu grande amigo e aliado na adolescência, pondo-me em contato com o mundo. Curitibanos era cidade pequena, oferecendo poucos atrativos e mínima diversão. Eu aumentava o volume para poder acompanhar as músicas enquanto executava algum trabalho doméstico no andar superior. Em volume alto, a música me alcançava lá em cima, onde eu cantava ou dançava, segurando a vassoura, o rodo ou o escovão. Ah! Sim! O pesado escovão, para dar brilho ao piso de madeira recém encerado.

À noite, após o jantar, papai monopolizava a audiência. Pontualmente, às 20 horas, começava o Jornal Nacional, na poderosa voz de seu apresentador, Heron Domingues.

Nosso rádio tinha muita qualidade. Resistiu bravamente ao manuseio de dois adultos, três adolescentes e uma criança. Não lembro o que foi feito dele. Mudamos para a capital do Paraná a fim de continuarmos os estudos. Era final da década de 1960 e a televisão havia recém tomado seu lugar, de forma incipiente, com muito chuvisco, fantasmas e, às vezes, repentinamente emudecida, porém, ela veio para ficar e tornou-se objeto de nosso fascínio, dali em diante.


 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 19/06/2021
Reeditado em 16/02/2023
Código do texto: T7282239
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.